sábado, 1 de agosto de 2009

Arrefecimento

As luzes do fundo da vila mais longe
E eu que daqui só as vejo de olhos fechados.
Os sapos chamam-me escondidos
E eu respondo-lhes, inspirando fundo o ar fresco, com um suspiro.
Há anos que não vejo um sapo com os olhos
E não me lembro da última vez que ouvi um fora de mim.
Não sei de pessegueiros nem de figueiras,
Mas tenho a certeza que me esperam
E me receberão de ramos abertos e sorrisos maduros,
Nas manhãs prolongadas por mais uma festa,
Após o primeiro ciclo respiratório consciente do dia.
Os primos pequenos agora com os ossos da idade do meu comprimento,
Estão onde me deixei, porque aqui não vale.
Nasce a próxima geração e com ela a consciência dos cabelos brancos.
Corre-me o rio dentro, sem o sentir,
Trazendo-me os desafios da morte, coitos frios e amizades que a corrente tinha levado.
Às vezes não sei se cerveja, se àgua, se um colar de missangas apertando-me o pescoço,
Espremendo-me as memórias de uma memória.
As telhas velhas da casa que se tornaram numa cidade,
Hoje ruínas e sem sinal de cidade,
E se houvesse cidade, telhas desarrumadas para estes olhos que só vêem.
Hoje, Julho quase acaba e o Verão sem ter chegado.


Savonlinna

27.07.2009

João Bosco da Silva

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Adeus a um Amigo


Ao Aylo do infinito no olhar.

Morreu o meu cão! Morreu e disseram-me a notícia
Como se uma pedra tivesse caido de um muro velho.
Morreu e parece que a quem o soube lhe pesou como perder algo esquecido.
Morreu o pobre que nem alma tinha e agora foi-se para sempre.
(O céu dos cães é uma mentira que os adultos contam às crianças
E o céu dos homens é uma mentira que se contam os adultos uns aos outros.)
Nada interessa, o meu cão está morto!
Se alguém o matou não sei, mas estou certo que algo foi, o tempo ou um parente.
Se alguém o matou não interessa, também ele morrerá,
O cão está morto, já não é cão, é cheiro e alimento para os decompositores.
Os olhos mais sábios que os olhos dos sábios humanos fecharam-se para sempre
E perderam o azul. Afinal o céu era só um espelho.
Quem me irá dar esperança numa vida sem pensamento
E me irá provar que vale a pena o para nada, só para andar a correr,
Cheirar os cus uns dos outros quando não os beijamos mesmo,
Saltar em todas as cadelas que a tenham pronta para isso,
Comer e cagar logo ali, onde se foi bucar a comida,
Rapar na terra na esperança que as marcas sejam para sempre,
Mas nem nós... os cães sem pêlo. Não foi uma pedra que caiu do muro,
Por isso haja algum respeito para quem o respeito não passava de um som quando se diz.
Morreu o meu cão e agora está morto. Morreu e agora não é mais, não é,
É, mas se caisse do muro agora era uma pedra.
Vou mergulhar num rum das caraíbas e tentar encontrar-te lá no fundo,
Onde sei que não estás mesmo, porque é só o meu fundo, onde tu não passas de uma memória.
Quantas vezes me inspiraste em vida, mais que qualquer musa?
Esta é a primeira vez que me inspiras na morte e com a morte,
Tu e ela a guiar-me as mãos, batendo negro no branco, fingindo que imortalizo mortais.

Savonlinna

29.07.2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 28 de julho de 2009

Poema de Amor Sincero

Já não te amo, mas ainda é cedo.
Já não te amo, mas é tarde de mais para aventuras.
Já não te amo, mas és tudo o que tenho e ganhei-lhe medo ao desconhecido.
Não te amo, mas são já muitas as memórias a pesar na consciência e no hábito.
Não te amo, nem te odeio, és como um terceiro braço,
Um eu fora de mim que me aborrece como a solidão.
Já não te amo, mas ainda é cedo.
Já não te amo e tudo se torna mais pesado, mais alto, menos doce...
Um desencanto trazido pelo tempo.


Savonlinna

26.07.2009

João Bosco da Silva

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Sentido da Vida

Busco-me no passado porque não me vejo,
Só me consigo lembrar de algo que me pareceu que fui.
Fui-me afinal, fui, agora estou a ir-me e nunca sou.
Vim-me, não me venho porque sente-se excessivemente e já foi,
Nada fica, algo será se azar houver,
Alguém, sem certeza disso, vida interrompida.
Se existem paredes para a casa onde habito são aqueles
Que hoje não vejo e a quem gosto de me dar para me acolher dentro de mim,
Tendo-os rodeando-me, fazendo-me outra vez, limitando-me e definindo-me.

Salto e mergulho nas águas geladas em tempos pouco comuns,
Sinto-me e não me sinto a mim, é só a água que me toca,
O sentir-me sinto-o mais no tédio dos dias, só com o peso sentado nos meus glúteos,
Vagueando sem me mover, por entre sinapses e não sei quê que me torna nisto.

E no fim o que sou? Eu! Sou um acumular de fracassos,
Desilusões, atrasos e oportunidades perdidas.
Fui todas as oportunidades, todas as possibilidades,
Todos os sonhos possíveis...
Agora a memória desiludida de nada no presente,
Porque afinal o tempo não melhora nada,
Não traz nada de novo, leva, levanta, mostra, desilude.

Sombra fresca de uma árvore... e eu com isso?
Desde que seja onde possa fazer gritar alguém que se abre,
Me faça ser sentido de forma a que se veja e sinta que me sentem,
Não olhos de leve que passam, não ouvidos distraídos que não compreendem,
Colos de útero tocados por dedos desesperados batendo à porta da alma,
Abrindo passagem à origem do mundo para o falo criador.
É só uma subjugação à vontade, um submeter uma alma desconhecida,
Duvidando-se da sua genuínidade, porque nunca eu, nunca nós.
O sexo é violência consentida, ocupação, penetração, aceitação da dor como prazer,
Da humilhação como coragem, morte por momentos para a vida surgir,
Ou fingir apenas que se cria.
E a existência vazia uma vez mais, só ecos na memória,
Nada nas paredes do quarto, nos vidros do carro, na casca da árvore, nas lápides do cemitério...
Silêncio suspirado e humedecido com uma desilusão por não se prolongar até ao infinito.

(E é este o meu tema: a vida. Não se encontra?
Escrever com uma sinceridade mais sincera do que a consciência permite,
Mentindo-me em segunda mão,
Desenterrando no fundo de mim o que desconhecia,
As verdades que julgava mentiras,
As palavras que não sabia e não encontrando palavras para o que encontrei.)

Só uma águia que afinal não tem nada de ave,
Um cheiro que ultrapassa o espaço e viaja na minha imaginação,
Vibrando no meu cinzento, abrindo-se oferecendo-se, sugerindo,
Fazendo-me esquecer da banalidade disto tudo,
Da falta de sentido e do sentido que isto segue...
Que saudades daquela ignorância inocente tolerada por todos,
A que os grandes achavam tanta graça e mantinham com mentiras
Que eles mesmos queriam que fossem verdades.
Morrem todos! Todos os inocentes se tornam em cadáveres que se fodem uns aos outros!
Olho uma criança e como eu nunca no presente, entristece-me que o tempo passe.
Não tarda muito para estarem todos desesperados para se sentirem de todas as maneiras,
Tal a fome de existir nos outros porque estamos condenados a duvidar da nossa existência.
E eu que me vejo por vezes e me sinto por vezes e afinal não era eu,
Um fantasma numa memória roubada ao tempo.

A vida continua e o tempo pinga em relógios como uma realidade que persiste
Em se tornar memória, quente e metálica, deixando sempre uma cicatriz.
O cérebro é uma colecção de cicatrizes, não se pode negar, basta olhar.
Mais um corte, mais um rasgão no papel a tinta, sentindo nos dedos o peso que o pensamento tem,
Sentindo no pensamento a presença que tenho,
Tentando provar-me a vida com palavras sempre tão ridículas
Como todas as que se possam dizer na vida...
E nada, isto nada, algo que como tudo acaba,
Mais um orgasmo, ou uma foda à puta que se deu só porque se pagou e tem que se chegar ao fim,
Uma vida por onde se passa porque se foi posto nela e não se tem mais para onde ir,
Ou se não conhece outra coisa e há o medo do desconhecido,
Ou porque algo é sempre melhor que nada,
Ou porque é bom sinal se há dor...


Savonlinna

24.07.2009

João Bosco da Silva

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um Banco no Cu

Quantas vezes sentado na rua ao sol me sentei e me encontrei?
Sentado, uma vez mais, mas desta vez, nem me sinto.
Sinto o vento que me bate na cara, não em mim.
Da cara não sinto nada, a pele é que sente, ou não sente nada,
Manda dizer ao cérebro que pressão temperatura
E ele que nunca viu nada realmente a mostrar a realidade.

E de mim, nada!

O sol que me aquece o exterior e o refrigerante o interior
E eu algo entre: Intersticial!
Se tiver alma está (está-me) nas circunvoluções,
Pulsando enxaquecas existenciais a horas pouco oportunas...
Mas não tenho alma para o mundo ser justo na sua injustiça
E fazer sentido na sua macrocoerência que olhos humanso não conseguem ver de todo.



Savonlinna

22.07.2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 21 de julho de 2009

Coelheira

E todo o mundo cheira a uma coelheira!
O cheiro do mijo e das caganitas na palha
Entre o cheiro a erva fresca com a de outros dias que se acumulam.
Vibram no ar os aromas que exalam os seres peludos e orelhudos
Antíteses cerebrais.
Sabe-se que não param de copular no escuro,
Escondendo atrás de portas velhas ou telhas encostadas às paredes
As novas gerações.

(Umas vezes excessivamente asséptico com o cheiro penetrante da creolina,
Outras vezes pestilento sabendo-se a sarna no ar,
Mas sempre o mesmo.)

Dá-me vontade de ser peludo e cagar aqui mesmo uns pedaços de mim!

Dá-me vontade de esvaziar a bexiga e montar logo a coelha que se me apresentar entre o cheiro fresco a ureia!

A ração humedece pelo chão e parece caganitas descongeladas,
A razão humedece pelo mundo fora e as ideias são ração pelo chão da coelheira.
Só comem merda os coelhos,
Mas nem sempre há erva onde os donos vivem, ou não é suficiente, ou é demasiado natural,
Sem os excessos nutritivos e o desequilíbrio da ração.

Os coelhos são muito fáceis de matar:
Seguram-se pelas patas traseiras e com a outra mão aberta,
Dá-se um golpe seco na nuca...
São muita pele no fim de contas.
Despem-se e são quase nada.


Savonlinna

21.07.2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 30 de junho de 2009

Eu, Sonâmbulo


“Abre los ojos”, disse Sofia Serrano
Acorda rapaz!
Acorda, que não estás a dormir.
Acorda, que ainda tens tempo.
Acorda, que se está a acabar o dia e tu a dormir.
Acorda já, olha que ninguém o fará por ti.
Não esperes pelo despertador que se esqueceu das horas e só espera a infinito.
Porque caminhas de olhos fechados para chegares ao que procuras?
O que procuras passa-te ao lado e tu a dormir!
Acorda rapaz!
Acorda, que a vida não é para preguiças,
Para isso terás todo o tempo e nenhum será teu.
Deixa-te de sonâmbulismos e acorda!
Vê de verdade o que se te apresenta,
Não olhes com esses olhos de corpo sem gente dentro,
Usa o que se te dá até à exaustão da sua existência.
Pensas que tens tempo?
Não sabes que o sómaisumbocadinho pode ser tudo que tens?
Vamos lá, acorda que já nem a sonhar estás,
Já nem sorris, nem falas com o silêncio do quarto,
Nem temes os medos, envelheceram e morreram.
Gastas-te e enganas os outros, seu sonâmbulo!
Acorda antes que te adormeças a fundo,
Para ti e para os outros, já que para ti dormes.
Acorda para a vida rapaz!
Acorda, que a vida é só vida se acordares para ela.


Savonlinna

30.06.2009

João Bosco da Silva

sábado, 27 de junho de 2009

Remake de Um Poema Nunca Antes Escrito


Ao professor Amilcar e ao falar com o falo

Hoje sentei-me, procurei-me e não me encontrei!
Abri mais umas garrafas para não-eu,
Escondi-me atrás de uns dedos entorpecidos,
Cobri-me com um olhar desfocado
E só aí vi a distância entre mim e esta merda!
Durante o dia, já não me sinto,
Já não sinto, nem desejo, nem espero, nem nada...
Espero pela noite, pelos sonhos menos alheios que as memórias
Que me violam durante o dia.

Cheira a Verão mas não sinto prazer algum nisso.
Cheira a Verão e é só de verões que me lembro,
Tudo dentro onde nada existe de verdade!
(O cheiro de uma cona molhada levanta-me mais o tesão
De uma noite que passou ao lado de uma outra que secou para mim do que o de agora.)

Mas nada! São só palavras e as palavras não se sentem.
A única coisa que se sente é este vazio por não se sentir.
Este tédio de ter pouco mais que seja grande novidade.
Tudo acaba por ser uma variação pouco original de algo que já se passou.
Morrer é só não ser mais um.
Viver é só ser mais um que para lá corre, se gosta de viver verdadeiramente.

A vida cansa-me! A ausência dela faz com que queira andar sempre aborrecido.
(E o meu egoísmo é tal que isto sai sempre: eu isto, eu aquilo,
Como se interessasse a alguém a merda que estou a cagar!
Abençoados humanos, que os há que gostam de uma boa bosta pelo corpo,
Uma boa ejaculação pela moral e dignidade até à sensação de pura liberdade!)

Até isto me cansa: virem-me a dar que sentir – tetas mais que adultas de cabeça cronológicamente jovem – quando passei a noite a tentar deixar de ser eu, meu e do mundo,
Perdido entre a pureza de uma destilação contra outra nem tanto e rodelas de lima,
Entre filtros cansados e suados de gargalhadas incoerentes.
E vem-me com aberturas excessivamente fáceis e inocentes de preversão adolescente.

Nem um comprimido azul, antes da cirurgia dos sonhos ajuda a sentir-me menos insensível.
Não tenho saudades minhas... tenho saudades de quem me fazia ser eu.
Agora... isto!

Savonlinna

27.06.2009

João Bosco da Silva

domingo, 21 de junho de 2009

Adolescência de um Aldeão

Sou rural por natureza!
Tive extases a ouvir Tristão e Isolda e o Holadês Voador.
Levei a Genealogia da Moral quando fui com o meu pai sulfatar a vinha.
Passei uma noite inteira n´O Banquete com um Sócrates mais verdadeiro.
Sonhei com um amor imortal como nos tempos de cólera que nunca chegou e morreu.
Presenciei desde as margens do Tuela à luta épica entre o velho e o peixe.
Discuti com o padre velho da terra a moral em Dostoievsky,
Enquanto partilhei com ele uma das suas últimas Quatro Estações na sua última estação.
Vi com o paroco da terra F1 e ouvi U2, visitei a neve, Salamanca... desisti de deus.
Fui o primeiro ateu assumido da família e dos conhecidos – nunca ninguém me tinha dito que não existia.
Cruzava a perna com um livro enquanto os outros sentiam cedo outras verdades no corpo.

Fui o pior dos aldeões!
Pensei que me tornaria sábio, culto, maior, mas não!
Aprendi apenas que nunca saberei o suficiente e que aprender é para nada.
Apenas me dei conta da minha ignorância.
Dei-me conta de um sinal que sempre tive mas nunca tinha visto
E achei-me mais feio.
Vi-me ao espelho e não era perfeito.
Afastei-me dos outros para me encontrar e afinal estava neles.

Sou rural e gosto das casinhas juntas e do cheiro quente a madeira nas lareiras no Inverno.
Sou rural e gosto que falhe a luz para que se acenda uma vela com a vida toda à sua volta.
Sou rural e gosto de dar uma escapadela ao rio quando o tempo começa a aquecer e as roupas das mulheres são menos.
Sou rural e gosto das fodas nos lameiros, nos palheiros, nos bancos traseiros nas noites de festa de Verão.
Sou rural e gosto de rimas, dos santos populares, do S. João que torna a cidade grande em muitas aldeias.
Sou rural e gosto de profanar um adro em boa companhia, seja líquida ou das que se liquefazem.

Sou um aldeão que aprecia àrvores mortas que falam com maior prazer
Quando debaixo da frescura de uma viva.


Savonlinna

20-06-2009

João Bosco da Silva

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Amor no Momento

Senti os teus músculos perinais
Bater palmas
Peidos de cheiro a prazer
Que não vinham do cú
E os tomates mais molhados
Do que o suor lhes permitia.

Senti-te engasgar e regurgitar
O meu bordão de fazer-me sentir
Nos outros
Quatro vezes
Enquanto corria como não podia
Para chegar a uma libertação qualquer
Com a vodka a atrasar-me
Os passos dos sentidos.

Senti que era amor mais amor
Que a palavra ou a definição impossível
Daquele que se sente sem se pensar
E é mais real e verdadeiro.


Savonlinna

15-06-2009

João Bosco da Silva

sábado, 13 de junho de 2009

Alma de Látex

A vida pesa-me tanto na cabeça!
Cada vez mais pesada.
Mal a posso aguentar.
Quero libertar-me deste peso e esquecer,
Renascer algo completamente novo,
Cadáver sem ilusões ou esperanças
Nesta realidade tão real e fatal.
(Condicionados à eterna desilusão
Até que a própria vida nos desiluda.)

O passado puxa-me a alma, fato viscoso colado ao corpo.
Sinto-me um saco de memórias,
Tão cheio que as alças estão para rebentar.
Sou de plástico barato!
Assim me fizeram, não esperando grandes feitos para recordar,
Mas eu acumulo tudo e todo o lixo me é precioso porque sou feito dele.
Não sei que volume me deram para encher e suportar,
Sei que não aguento muito mais.
(Despejem-me e virem-me do avesso
Que serei o mesmo, vazio...)

A vida cai-me nos olhos, nos sentidos
E enche mais a falta de tudo o que passou.
Puxo e puxo esta alma de látex que se estica
Enquanto o tempo me faz caminhar
Com ela presa ao passado.


Rantasalmi

13-06-2009

João Bosco da Silva

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Queda nas trevas

O dia cai sem ter estado em lado nenhum,
Corro a cortina e fecho-o numa caixa impossível,
Guardo-o na algibeira e sigo para a terra fora do tempo.
Todos os cigarros que não fumei jazem apagados no cinzeiro
E todas as mulheres que não amei acolhem o sémen de quem nunca fui.
O mundo apaga-se, mas fora continua aceso e vibrante, vivo,
Só eu me canso e me responsabilizo de ter sentido tão pouco
Na possibilidade de ter podido sentir muito.
Não vou mentir muito. Se o que disser não for verdade,
É porque o que conheço é só mentira e ilusão e sonhos para nada
E desejos para ninguém e para todos.

A carta de feliz aniversário que não cheguei a enviar,
Na mesa onde está espalhada a minha alma,
É agora inútil para um destinatário que já não é.
O dia acaba e eu sem ter feito nada para o acabar!
Todos vivem fora disto, estou seguro que sim,
Mesmo não o sentindo, não estando na sopa de vida dos outros.
Como posso estar assim comigo?

O orgasmo interrompido de ontem preenche o vazio incompleto de hoje,
Mas hoje estou só, desejo estar só e não me suporto!

As rosas não as vejo, não as sinto, só o aroma me chega difuso
Entre o cheio acre e cinzento da minha existência.
(Ainda tenho entranhado nos poros feromonas íntimas de janelas por onde se entra verdadeiramente
E isso pesa-me como se tivesse gente às costas,
Tão diferente do salto da ponte enquanto me venho!)
Mergulho! Mergulho na água, neste verão frio,
Na água da excitacão alheia que nem me interessa,
Não egoísta, humano somente.

Péssimo! E não sei o que adjectivo, porque não conheço a vida,
Como todos com suas vidas e vidas duplas,
Santos de cú aberto para quem lhe quiser rebentar a moral,
Libertar na sua amoralidade sensorial, porque sentir é pecado
E pecar sabe bem, sente-se mal, mas só dentro no que é falso.
(Bocas cheias de desconhecidos no futuro que nunca terão,
Dos maiores desconhecidos que não sabem conhecer e abocanham com a fúria de um vazio maior.)

O dia que foi tudo, o tudo mais recente, a minha vida resumida
Escrita nisto que já se apaga e foi nada afinal.
Todos que quase não me tocaram e lavarei com a água inconsciente
Que me percorrerá a mente externa que me dá ao que sou dentro.
Tudo se fecha em nada e o tudo é tão pouco!
...sem ter estado em lado nenhum, o dia cai...


Savonlinna

12-06-2009

João Bosco da Silva

quinta-feira, 11 de junho de 2009

A Curvatura do Ser

A esta distância de mim, não me consigo reconhecer.
Deixei-me ficar e fui caminhando só de mim,
Corpo e movimento, sem o que me faz ser.
Abandonei-me sem vontade, deixei-me morrer
E renasci morto-vivo, pálida cópia envelhecida do verdadeiro que fui.
As faces familiares sorriem-me como se me reconhecessem,
Mas não é de mim que se lembram. Não pode ser de mim!
Nem eu sei de quem eles se estão a lembrar,
Nem tentando ver-me à distância... tão longe!

Ninguém diga que o mundo de cada um é curto!
Ninguém diga que a vida é curta!
Tantos caminhos e encruzilhadas dentro da cabeça de cada um!
Tanta vida e morte numa única vida de corpo!

Quantas vezes mais terei que morrer,
Parir-me de novo e errar uma vez mais,
Morrer outra e outra vez, temendo paradoxalmente a definitiva,
O final desta mãe de almas a que me chamam tu?

Não me quero! Cada novo é sempre pior que o que deixei
E acumulam-se no sotão de mim aqueles que não quis ser,
Que eram afinal tudo o que hoje queria que eu fosse, mas já não posso.

Estou hoje lúcido de mim e por isso não me reconheço.
Estou hoje sentado sobre a minha existência e sei que o que sinto
É apenas o peso do corpo sobre a minha alma que escorre para os glúteos.
Não estou triste, porque não consigo sentir...
Se sentisse quem o sentiria? Não tenho dono para o que possa sentir
E sem uma entidade que sinta, não há sensação.
Fecho os olhos e o mundo continua a não existir.
Acordo para mim e o mundo recomeça onde nunca o deixei.

Sente-se que hoje é. Hoje não é nada! Nada está hoje,
Nem amanhã, nem em tempo nenhum!
Como se pode estar no tempo? No tempo só se pode ser
E no espaço só se pode estar.
(Ridículo este que pensa e que crê que não crê em nada,
Tendo apenas o nada como certeza insegura!
Antes aquele que julgava crer e afinal só seguia,
Sentindo uma espécie de vazio cerebral, levado por ideias absurdas que outros tiveram.)

Morreu! Morreram todos! Vivo num cemitério de almas,
Rodeado por corpos vazios de gente, cheios de vazio,
Estúpidos como todos os humanos que se olham por dentro
E perdem a inocente estupidez animal.

Hoje escrevo isto apenas para desenterrar algum resto de mim,
Para ver um pedaço de carne apodrecida, nestes ossos que escrevem
E admirar as memórias que aquela pele cor de fantasma escreveu dentro de mim.

Jogos de bilhar e cerveja com os amigos, também eles mortos.
Cartas nos intervalos, rodeados por um nuvem de fumo alheia.
O traseiro duro de uma colega sobre a minha tesão adolescente.
Uma aula que ficará para a eternidade da minha alma finita.
Um parque verde onde parece ter ficado aquela criança que fui.
O primeiro amigo, o último melhor amigo e o seu regresso como amigo.
Os amigos eternos tatuados no meu ser, presentes mesmo quando não estou.
Dois corpos que se confundem no banco de trás de um carro,
Outros corpos que se confundem com os corpos que se confundiram,
Numa batida de carne de quem tem fome de sentir e ser sentido.
Quartos em cidades das memórias de infância
Descobrindo o corpo adulto de quem nem interessa conhecer o passado
E do presente basta o que nos envolve e acolhe o esperma.
Torneio de basquetebol onde me ficou o que nunca teve oportunidade de ser mais
E aquele de andebol, onde dei os primeiros passos na areia quente da vida.
As primeiras ressacas verdadeiras embalado pela água parada da piscina pública.
Os fins de tarde com os bonecos e o amigo que regressou,
Até a fome chamar por nós e o dia se cansar de ser quente.
O cheiro a verde dos lameiros do meu avô com os meus primos,
O cheiro doce do vinho no lagar do meu pai com as uvas a fugirem-me por entre os dedos os pés.
Uma noite ébria e absurda, em que só nós faziamos sentido com palavras desnecessárias.
Os matraquilhos com os bonecos a passar pelo milagre da multiplicação
No nascer da manhã depois da festa do verão à beira rio.
Os castelos que visitei e onde ficou sempre um bocado de mim.
Os corpos onde entrei e onde espalhei sempre algo que não sou.
Os amigos, sempre os amigos, que me têm mais do que eu a mim me tenho.

Custou encontrar-me. Tanto que não me encontrei.
Li-me, mas quem escreveu morreu.
Tudo pertenceu ao que estava fora. Entrou, alterou a configuração labiríntica das minhas sinapses,
Saiu... de mim, nada ficou! Só em mim ficou o que não haverá outra vez.
Vomitei-me todo e o que saiu não era eu. Até que ponto sou o que como?
Quanto sou daquilo que me faz ser?

Não sei onde ficar, nem se vou continuar deveras.
Não sei o que acabei, nem se fui eu a começá-lo.

Perdi a razão que me levou a isto e por isso, sem razão,
Terminarei mais uma tentativa falhada de me colar e me encontrar numa realidade visível,
De me explicar a quem não me pediu explicação nenhuma,
De escrever para olhos cegos uma verdade que nunca será lida.


11-06-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

terça-feira, 9 de junho de 2009

Sem Importância

Porque não me importar me faz livre,
Não me quero importar.

Grito no autocarro cheio de gente
Cheia de pressa e de tudo e não me importo!
O peso saiu, em forma de palavra selvagem e primordial.

Meto-lhe a mão por vontade da mão
E por não me importar
E os dedos escorregam logo para dentro.
Eram esperados e agora preparam.

Desejei tantas vezes a morte, que nada mais importa!
Fecho os olhos e sinto o que na vida persiste.
Excedo-me, mas na vida não há limites,
Só eu os tenho enquanto me importar
E tiver medo
E a mim mesmo os estabelecer.

A vida é um universo e os seu limites são nada,
Se não dermos importância aos limites falsos e limitados do olhar.

Não me importo,
Mas estou a importar-me com não me importar.
Raios!


08/06/2009

Rantasalmi

João Bosco da Silva

Nota Pós-Orgásmica

Agarram-se ao sentir,
À novidade dos sentidos, mas para quê?
O vazio do nada, do futuro, é tão grande,
Que torna qualquer gesto ridículo.
Nem é um nadar contra a corrente,
É mais bater os braços enquanto se cai num abismo infinito.
Procuram-se os limites do corpo,
Mas o limite é simples e desconhecido.
A sensação mais extrema é a aniquilacão de todo o sentir!
Aborrece-me tanto um puritano, com a sua busca pela pureza,
Como uma puta gratuita, com a sua busca pela decadência.
(Pureza? Decadência? Qual? Onde? Quando?)
Olhar-lhe nos olhos, vê-la a passar,
Agarrar-lhe, no último momento, um passageiro e mantê-lo
Por cá mais uns tempos... isso sim!
Quase dá razão a isto!


07-06-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Masturbação Intelectual

Transcrição do ilegível

O dia nem me correu mal
E hoje, até nem estou muito virado para implicar com a vida.
Na manhã, sonhei acordado
Memórias, conteúdo manifesto,
Enquanto as mãos trabalhavam.
Projecto-me na simplicidade dos momentos felizes,
Que perduram acabados na frágil memória do animal humano,
Quando me falta que sentir.

Queria ler, mas só papel branco e caneta azul.
Pego nisto e leio para fora,
Palavras primeiro dentro e só depois fora,
Agora no papel e na memória.
Não me apetecem cores nem movimento,
Quero só esta agitação estáctica que se move dentro.

O dia até está feio, húmido e é quase verão,
Mas eu não sou higrómetro, nem termometro.
É nos dias quentes, a cheirar a amarelo,
Que me sinto mais melancólico.

Este verde aborrece-me porque é mentira
E essa verdade torna o céu cinzento.

Sinto-me como um palheiro no meio de um lameiro na Primavera,
Apesar de ser falso entre a vida.

Dói-me o pulso, não por escrever,
Mas talvez por me masturbar nos outros,
Que é sempre melhor tocar e ser tocado.
Apetecia-me foder a cabeça com alguém,
Não há quem,
Então, masturbo-me e fodo-lha a alguém.

O dia nem me correu mal
E hoje ainda não acabou.
Viro-me para dentro
E a vida, que é de fora, começa a implicar comigo.
Que implique!
De hoje só quero alguém que me diga um orgasmo na língua
E me leia o meu com a boca toda.

Rantasalmi/Savonlinna

04-06-2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 2 de junho de 2009

A Vontade de Poder

Submeto-me à vontade da minha vontade,
Alheio aos meus desejos.
Submissão à vontade, às vontades,
Nossas que não o são realmente
E dos outros, se forem de acordo com a vontade
Da nossa vontade e do árbitro dos desejos.

Não quero ser feliz!
Nada me livre!
Quero submeter os outros
Aos meus desejos de criança corrompida,
Mesmo cruéis como arrancar a cabeça à boneca favorita da irmã.

Cresci? Nada disso!
Cresceram as vontades e a cada satisfeita...
O vazio da sua satisfação após a satisfação de um vazio futuro.

Não é por o bom ser bom e o mal mau...
É a vontade que me faz bom ou mau.
Quero lá eu saber de ideias!
Nunca cheirei uma teoria!
Os valores nunca me alimentaram!
Nunca fodi um dogma,
Ou senti na pele uma palavra!
Por dentro, não somos nada para o mundo
E o mundo, nunca nos entra dentro.
Partes com que construímos a colagem do que somos:
Um mundo que escolhemos ser,
Um mundo segundo a vontade da nossa vontade,
Não... nunca inteiramente... não directamente nossa... nosso?

Escapa-se-me as ideias, mas nem é por entre as circunvoluções
E muito menos por entre os dedos.
Escapam-se-me por entre pedaços de não-ser,
Esquecimento, falta de vontade e ... Nada!


Rantasalmi

02-06-2009

João Bosco da Silva

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ossos de Alma

Ao São Gregório, não o que morreu
Já não penso!
Espremo-me, mas nada novo,
Nada novo para mim e para os que nunca abriram os olhos.
Ando com os olhos fechados dentro
E os de fora,
Só olham o que ficou para trás,
O que não reflecte mais luz.

Não me vem a melancolia por estar,
Por sentir o passar,
Por me aborrecer com o que não vem...
É por estar dentro do quarto do passado
Enquanto vejo o presente através das janelas.

E nada morre enquanto eu não morrer,
Mesmo quando nascem flores na campa vazia!

O meu primeiro amigo de escola,
Tão pobre mesmo sendo eu quase,
Ou filho de jovens que se iniciam,
A quem me provei bom por natureza...
Matei-me, mas no fundo algo vive ainda,
Cauda de lagarto separada do corpo,
Que se mexe, mais viva...

O meu primeiro amigo a quem a régua
Era tão fácil de oferecer,
(Tão solidários a dar dor aos que a ela estão habituados)
Contra tudo o que devia ser oferecido...
...brinquedos em segunda mão no Natal,
Na escola, dos meus, não muitos, fui...

O meu primeiro amigo com quem lutei,
A primeira luta da minha vida,
Incitados pelos “grandes” na entrada do tasco.
Ainda hoje não percebo por que razão...
Foi a primeira vez que me vi realmente!
Olhei os meus pulsos... obviamente partidos!
Afinal, nunca tinha reparado na apófise estiloideia.
Senti-me descartável, corrompido, sujo e humano.

Quantos morreram sem se darem conta
Da Apófise Estiloideia?
Quantos dão uso ao cúbito e nunca vêem?
Quantos dão felicidade da verdadeiramente gratuíta
E logo partem os pulsos contra um amigo,
Só para provar a desconhecidos
Que se tem a fragilidade dos humanos?

Já não penso,
Porque pensar não é preciso.
Quem precisa de pensar,
Quando se tem os do tasco
E toda a sua sabedoria de anos perdidos?

Já não penso,
Porque lembrar já me dói o suficiente.

Já não posso pensar!
Não tenho espaço no eu para mais castelos de cartas.
Todas as ideias dos outros,
Sempre melhores que as minhas,
Porque não sou nada,
Nem o meu nome é meu, que o partilho com brasileiros.

Os ossinhos do braço, tornaram-se mais tarde,
Apófises, tuberosidades, colos...
Partes de ossos, afinal não tantos.
Não me esqueço do mais importante
Acerca do braço partido, cujo calo na alma:
Dói mais dentro do peito
E no braço da outra pessoa.

Já não penso!
Se pensasse, isto seria mais que uma memória
E não isto que nem a mim me interessa mais.

Savonlinna

31-05-2009

João Bosco da Silva

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Nunca em Tomar

ao António Lobo Antunes, que nunca lerá isto

Espero sentado o autocarro,
Com o primeiro sol decente do ano,
Em Tomar, com o António Lobo Antunes.
Aparece-me um troll escandinavo fêmea,
Prenha de desinibição ébria no sangue,
Ou esquizofrénica no que o sangue agarra
E interrompe-nos.

Convicta da pertinência e da certeza,
Pergunta-me se estudo russo,
Ou afirma-o... na minha deficiência, não sei.
Português respondi,
Por deficiência e eficiência.
Balbucia-me uns grunhidos e eu,
Mais uma vez, Agosto, deficiente e eficiente.

Sou salvo por um taxista!

Regresso e já o António está com os dedos
Na Amélia, que também tinha um noivo,
Ou namorado, na Guiné.
Também tive uma Amélia,
Mas pouco Amélia,
Só mesmo o namorado na Guiné...

Vem-me a estagiária de fisioterapia,
Invariavelmente loira.
É a sua última semana e sorrio.
Primeira vez que trocamos mais que três palavras.
Mudo o idioma, porque tem os olhos azuis,
Mas não me interessa.
Sabendo que não,
Pergunta se é aquele o nosso autocarro.
Sorrio e diz-me que amanhã tem o dia livre.

O autocarro certo para mim,
Interrompe-nos em terceira mão.
Entramos e boa folga.
Procuro dois lugares livres...
finalmente regresso a Tomar,
(Nunca meus pés em Tomar)
Pelo mapa que o António fez,
Num autocarro para Savonlinna.

Savonlinna

25/05/2009

João Bosco da Silva

Memória de Elefante

As memórias são o que somos
E ao sermos, o ser dói muito.

Trazem-nos a presença do que nos faltou e falta,
O que quisemos e nunca tivemos
E o que ainda queremos e por isso continuamos.

Não se deseja o que se esqueceu,
Mas o que se esqueceu quer ser lembrado...
ou não!
(Talvez se tenha esquecido o que se não deseja,
Por não se desejar mais,
Ou talvez ainda seria desejado,
Se não tivesse sido esquecido.)

Comi e gostei,
Lembro-me e gosto!

Toquei e doeu,
Lembro-me e evito.

Ratos num labirinto de Skinner
Com memória de elefante.


Rantasalmi

22.05.2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 19 de maio de 2009

Fotografia

Quem é aquele rapaz na fotografia com os meus amigos?
Não o conheço!
Lembro-me de coisas que ele viu,
Do que dizia gostar e do que gostava mesmo,
Mas dele, não me lembro.

Como nunca cheguei a conhecer aquele estranho,
Que deve ser da família,
Já que está em todos os álbuns de fotografias lá de casa?
Impossível nunca nos termos cruzado!

Por onde andará agora?
Ainda deve estar nas fotografias,
Eterno,
Cheio de esperança e sonhos no olhar...
Crente num sentido, sem o conhecer, mas acreditando.

Como se sentia ele tão seguro e cheio,
Estando quase em branco?

O sorriso dele é-me familiar,
Faz-me lembrar não sei que calor,
Não sei que companhias em inocência,
Não sei que paz no estar...

Parece-me tê-lo ouvido uma vez,
Numa noite de São João,
A cantar sem letra, uma música que esqueci.

Contou-me um gato, que ele o olhou à noite
Enquanto atravessava um caminho de terra,
Iluminado pelo último candeeiro da rua
E nisso viu um sentido maior...

...da varanda do quarto da sua irmã,
Que, vim a saber, é a mesma que a minha.

Não sei o que fazem no meu quarto
Os seu poemas ridículos de amor.
Será ele um primeiro filho de minha mãe,
Que morreu antes de eu ter nascido,
Ou ao mesmo tempo que eu nascia,
De quem nunca me falaram?
Nem quero ler as palermices dele,
Nem sentir vergonha por alguém que não conheço!

E ele a sorrir sempre,
Eternamente,
Para mim, que nunca o vi realmente,
Troçando dos meus olhos míopes,
Lembrando-me que me perdi
E que existem muitas mortes na vida...
...não se move.
Foi tudo imaginação minha.

Está apenas,
Alheio ao tempo entre nós,
A um braço de distância.


19-05-2009

Rantasalmi (Kalle-kustaa)

João Bosco da Silva

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sexta-feira, Vinho e Limões

Fodias-me tu?
Tambem eu
eu é que te fodia com tudo
ou melhor...
sincermente,
vinha-me nas primerias tacadas
que tou com uma vontade
do teu interior
que me vinha logo para alivio
depois:Foda Recreativa!
E não. Nao é bruto
é realisata
merda
realista
algo visceral
alguma merda segregada...
Podes-me foder como quiseres
só assim me sinto vivo
fodasse e adoro a palavra fodasse
escritos a que chamo refluxos gastroesofágicos
mas vou-me que o vinho mo pede
gosto mais de ti do que a carne que toco
e isso... quer dizer muito
porque sou um gajo demasiado...amaricado e romântico
beijos
e foi bom o monólogo




Savonlinna?

15-05-2009

João Bosco da Silva?

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Macieiras

Nunca fui infeliz com uma macieria por perto!
Desde o início dos meus tempos,
Antes de mim e muito antes de deus ter morrido,
Fui feliz em cima e por baixo delas.
Nuas ou vermelhas e verdes,
Ou só verdes, ou verdes e amarelas,
Todas me acompanharam no prazer de sem dor
Que é a felicidade.

No ínício dos tempos, eu só, em cima de uma,
No jardim do posto da Guarda Fiscal,
Provando a saborosa acidez
Da minha primeira maçã reineta.

Na página seguinte da bíblia, eu,
Desta vez com uma menina loira
E o meu primeiro beijo,
Debaixo das macieiras da tia
(que não me era nada) Maria Alice.

Há menos vidas atrás,
No lameiro do meu avô no Carvalhal,
Em Agosto, curando à sombra de uma,
A doce náusea do dia seguinte
Das primeiras-comunhões da amizade,
Com as conquistas pequenas,
Maiores que as para o nada de hoje
Recebendo-se tudo.

Já não me lembro da última vez,
Em que por perto,
Esteve uma macieira.


Rantasalmi - Savonlinna

15-05-2009
João Bosco da

Churrasco de Galinha de Ovos de Ouro

Não apostaram em mim,
Nem me deram o benefício da dúvida.
Deixaram apenas que se apagasse
E agora, carvão.
Frio, sem a chama criadora e ilumindada,
Resta-me apenas riscar no papel,
O ressentimento amargo em poemas sujos.

Deixaram-me enferrujar,
A mim,
Que merecia o risco de um pouco de óleo.

Sem nome e se lugar,
Sem deus...
Que mais poderia eu ter sido,
Quando só se é grande,
Se as cabeças dos outros vêem a grandeza
Sem necessitarem dos olhos.

Nada esperaram de mim,
E eu, cheio de ovos,
Deixei morrer o ser fértil e com ele,
Os ovos infertilizados.

Fui nada com tudo pela frente,
Agora, sou um nada acabado.
Uma galinha de ovos de ouro
Que decidiram usar para mais um churrasco.


Rantasalmi

14-05-2009

João Bosco da Silva

Moral

A porcaria de um cromo,
Algo que não pertencia na porta do frigorífico,
Mal arrancado.
Agora nem cromo,
Nem branco limpo de frigorífico:
Cola suja e ilhas da imagem que persiste
E não pertence, ordenadas sem coerência.

Erros de criança que perduram.
Erros dos outros na criança que não será.


Rantasalmi

13/05/2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 12 de maio de 2009

Por Nada


À Torgueira, por me ter dado a mim

Por nada, ou para encontrar razão no nada
Que o algo sempre antecede.
Não sei porque estou aqui,
Porque escolhi as direcções que escolhi e não as outras,
Que acabei depois por querer,
Mas já não existiam.
Deixem quem eu era e quem me eram,
Mas não me esqueço,
Levo sempre tudo arrastado,
E por dentro o vazio de levar as coisas fora.

Procuro a fugacidade das sensações
Puramente físicas, sentindo só as variações viscerais
Que outro corpo me traz,
Para cavar ainda mais no vazio, dentro da carne que sente
Falta de presença específica.

Olho-me e é sempre com grande distância que me vejo.
Não comigo, com os que são eu,
Os que me fizeram eu.
Nem quando me sentem dentro
Me sinto dentro verdadeiramente,
Ejaculo e acordo para a realidade.
O vazio regressa, mas o desejo de preencher
Os vazios de outros é maior e mais forte.

Não preciso de mim para ser infeliz,
Basta-me a ausência dos que não estão
E dos que estão e me é tão indiferente.

Pintei mais um absurdo com sentido dentro,
Porque estava cansado das palavras,
Sempre tão presas ao que querem dizer,
Mesmo que não digam nada.

O cheiro à terra quente molhada pela chuva breve,
O reflexo da ponte romana no rio calmo de verão,
A confusão de aromas de corpos à beira da primavera no rio,
O som da brisa no feno, com as mãos cheias de carne,
O rio Douro atravessado por pontes de ferro e arquitectas,
A comunhão no ritual dos últimos momentos da infância pela madrugada,
A ajuda da vodka e da cerveja na união de almas já unidas,
A saudade dos momentos da partida, quando um mundo pára...

Mas não! Os meus sonhos arrastam-me para o nunca visto,
Para o nunca sentido, mesmo não sabendo se valerá a pena.
Não! Os meus desejos, que nem isso são,
Levam-me onde se morde um cão morto com fúria cega, sem razão,
Bebe-se por um crânio urina embriagada de desconhecidos
E como por uma bota de vinho o sangue quente de uma galinha sem cabeça.
Não! Os meus desejos são apenas espaços vazios
Daquilo que ainda não senti, não fazem parte de mim,
Preencho-os e morrem, tornam-se memórias,
Sensações por momentos, como a vida,
Mas com direito a perdurarem sem existirem mais,
Porque há vida. Nada mais além disso.
Os meus desejos são as recordações que ainda não tenho na memória.

Por nada, para nada... páginas sempre diferentes do livro
Que ninguém lerá, quando os meus olhos se fecharem,
Sem os olhos que me vêem de verdade quando estão...
E nunca sou verdadeiramente eu... e sem eles.


Savonlinna

12/05/2009

João Bosco da Silva

domingo, 10 de maio de 2009

Minto!
E isso é verdade.
Outra verdade mais verdadeira,
Seria mentira.

Não sou suficientemente egoista
Para desejar que haja deus.
Pobre dele...


06/05/2009

João Bosco da Silva

Happy Time

Aqui, somente aqui e em mais nenhum lugar,
Estou...
E digo-o como se fosse verdade!
E não sei se é,
Ou não.

Perdido, eu, entre o que sou
E deixei de ser,
Embriagado de corpo e alma.

Sou mais porto que eu,
Menos eu que porto...
Líquido inconsciente mais vivo que certas vidas.


Savonlinna, happy time bar

06/05/2009

João Bosco da Silva

Freud revisitado?

Nunca caguei num peito…
Nunca mijei numa cara…
Por dentro, já fiz pior...
E pior porquê?

Quantos foram mijados por primos sonâmbulos em casa da tia?
Quantos se maquilharam com merda no berço...
E ainda o fazem em adultos?

Pior é fazer merda dentro do peito,
Mijar dentro do que a cara em parte representa.

Pior é ser eu.


Rantasalmi - Savonlinna

10/05/2009

João Bosco da Silva

domingo, 3 de maio de 2009

O Dia dos Meus Anos

É para se lembrarem que existo, umas palavras, uns números,
Nada mais... não como dantes, com eles e gargalhadas,
Não como o de antes, de sorriso tão grande na alma
Que nada mais podia sentir por dentro que não fosse alegria.
A mesa cheia com pouco e quente de gente.
A mesa vazia de tudo e mais só que a solidão singular.
Não há nada a celebrar. Cada vez mais distante,
Irreversívelmente distante. Cada vez mais perto,
Verdadeiramente mais perto. Celebra-se a aproximação do nada.

Congratulam-me, de forma ritual, sem me sentirem,
Sem me saberem... palavras para um conceito,
Já não pessoa: ideia, memória associada a um nome,
A uma data que é hoje, mas já não é.
E todos tão longe, longe de longe e longe de mim,
E eu que já nem me consigo ver.

E sem mais palavras dizem-me que me querem...
Foder, porque não me conhecem para o resto,
Sabendo no dia o dia que é. Usando-me e eu me usando neles.
Perdido no sem isto que me faz sofrer
Até no dia dos meus anos, mais que outro dia,
Por não ser outro dia.

E tão como os outros que me vejo nele,
Vala aberta onde apodreço num amontoado indefinível
De gente que não é, mas naceu como se o fosse,
Mas nunca se tornou... nascidos para a vala comum,
Que é o mundo, neste dia, nos que foram e nos vindouros.

Faço com que os outros chorem por mim,
Abrindo neles as feridas que não me vêem.
Acuso-os dos pecados que cometi,
Absolvendo-os com as pedradas de quem nunca pecou.
Tudo só porque é o meu aniversário.

Nada desejo e tudo me falta.
Tenho tudo o que não me faz falta
E o que necessito não posso comprar porque nem sei se existe,
Nem o que é.
Oferecem-se, mas nem deles são,
Querem-me, mas não sabem quem.

Números e palavras, lembranças do que se teve sem se pedir,
Se pode negar só depois de não ser aceite e se ter
E mesmo que se goste e se queira ficar... amostra cruel
Para nada.


Savonlinna

03-05-2009

João Bosco da Silva

Nota entre uma idade e outra

Dorme e esquece, que amanhã
Tudo te parecerá como um pesadelo
E continuarás a vida iludido
Pela desilusão adiada...
Que a vida te guarda.

Savonlinna

01/05/2009

João Bosco da Silva

domingo, 26 de abril de 2009

Interferência

O momento que antecedia o entrar na igreja de cruz ao alto,
Em frente e no início do ritual,
Enchia-me a mente como a humidade a atmosfera antes da tempestade.
Sentia o ritual como algo solene, com um sentido velado cheio de sentido,
Que só o padre conhecia.
A alienação fascina, o desconhecido como a fantasia
Alimentam-nos a alma de criança em corpo de acasalamento.
A cruz de madeira e eu a segurá-la como se fosse gente!

(Ah, orgias: tudo ao molho e fé no caralho!)

Domingo, de manhã cedo, em jejum, assentam-se os cabelos
Com água como a benta da entrada da igreja, mas limpa.
O sol dizia que era Domingo e sentia-se o dia diferente dos outros.

(Náusea: na manhã de Natal de ressaca dentro da cabeça
E uma vez mais, o corpo dentro do outro!)

A alma refrescava-se, sentia-se dentro algo renovado,
Mas igual tudo, roupa velha acabada de lavar,
Ilusão de crer, cegueira feliz de sentir dentro o impossível.

(Ah, o alívio apressado de uma prostituta intelectual,
Tão reconfortante no ego e na carteira!)

Vestido de branco, mas de outro, entrava de cruz ao alto na porta principal,
Seguido de uma aurea que nunca existiu,
De amigos de andar por ver e eu com eles, por ser.
O ritual começa estéril, inútil, mas essencial e vital para a vida de quem o necessita.
O aroma da cera das velas e do incenso no ar... cheira a funeral e baptizado,
Entre a vida e a morte, o pecado e a absolvição,
O ascetismo cínico e a libertinagem sincera,
O admirável e o condenável...
Muros de pedra grossa, erguidos na linha entre a liberdade e a impossíbilidade dela.

(Ah, matar as tardes com vinho do porto e suores femininos
Até à morte do momento pelo excesso de carne!)


26-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Alicerces de Ser

Tento encontrar-me fugindo dos que me aproximam ao original.
Busco onde nunca pisei, porque acredito que o que sou,
Não é o que fui.
Quero inventar-me sem me saber.

É impossível que o perfume que nunca cheirei,
Me faça regressar aonde nunca estive.

Despi-me das roupas tradicionais
Para envolver o corpo com outros trapos.
Se quero regressar,
Já não me serve a roupa.
Se quero sentir a pele,
Está coberta de insensibilidade.

Quando regresso, não sei qual deixe dominar-me
E representar o corpo mais eu.

Terei ainda a mesma cor de olhos
Daquele de cabelo mais claro e de alma maior e mais limpa?


22.04.2009

Helsínquia

João Bosco da Silva

Negação

Perdido entre pensamentos coloridos
De mortos valiosos no nada,
Rodeado de formas sentidas de dentro para fora,
Deslumbrado pelo aborrecimento do maravilhoso
Simplesmente humano e possível,
Sinto palpitar a minha mais selvagem imaginação,
Incapaz de qualquer tipo de arte.

As obras humanas que se me atravessam
Na linha do desejo, de olhares penetrantes,
Excitam-me mais o sentido da vida.

E tudo são sublimações, mastigações, frustrações, negações,
Emoções quando não nos ocupam as sensações.

E tudo é tinta, pedra e tecido,
Distante e frio, humano de interior,
Filhos da companhia solitária...
(E elas passam de olhos vivos e fogo sempre aceso.)

Afogo-me no mar de beleza multicolor
E sinto que valeu a pena.
Atravesso a cascata do maior prazer
Sem molhar a minha pele que pede
O que a consciência lhe nega.


21-04-2009

Paris

João Bosco da Silva

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Foda na Aldeia

No lameiro verde de frescura, rasgado por agueiras,
Encostado a uma macieira sardenta de maçãs vermelhas,
Com as vacas tetudas a pastar,
Estou completo como ejaculando dentro da prima afastada,
De mamas sempre mais próximas,
Lá da aldeia.

Dentro de um palheiro aprende-se mais da vida que vale a pena.
Entre palhas e cabelos,
Beijos e picadas nas nádegas,
Nádegas e o mugir de vacas no estábulo ao lado,
Sabe a vida a vida real e original.

Na festa do verão, quem está é novidade
E o velho moinho une corpos,
Como um templo une almas... pão.

Se há carro, monta-se nela nele,
Enquanto os tractores, quase nos acariciam
Com o flagrante que apressa a descida do leite
No leito encharcado de fertilidade.

Espreme-se o leite nas tetas
Para que no domingo de manhã,
Não haja anúncios de falsas uniões.

Na aldeia sente-se a existência
Como era antes de existência ser...
Não se vive por nada,
Vive-se porque sabe bem.

Isto pode ser masturbação intelectual, mas...
Sabe bem como dar uma Foda na aldeia!


Rantasalmi – Savonlinna

09-04-2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 7 de abril de 2009

Um Baloiço na Lua

Será para sentir um pouco da minha alma
Dentro delas, sedentas de algo mais... ?
Entro e saio e de alma nem rasto.
Só sente o que o corpo lhe manda que sinta,
Isolada nela, cega que conhece o mundo
Por mensageiros que não ouve.
Se pede ao corpo que sinta
É para sentir pensando que sentiu.
No corpo nada dura.

Abrem-se os olhos e o mundo existe,
Fecham-se e todo ele entra dentro de nós,
Irreal, incompleto, remendado pela imaginação.

Entro em ti ou nela,
E o estremecimento final é o mesmo:
Uma sacudidela forte de cão molhado,
Secando o meu corpo da água que me incomoda.
Ando todo o dia com água no pelo,
Desde que acordo e me cai o dia em cima
E me arrasto por ele,
Encharcado de mim.

O mundo era maior
Quando os limites do meu mundo
Me cabiam fora dos limites da imaginação.
Tudo podia ser isto ou aquilo,
Isto e aquilo, nem isto nem nada...tudo!
Limitei a imaginação com a realidade!
A mão pequena agarrava mais mundo
Quando de mundo tinha menos.
A mão cansada apenas pó leva
Dos lugares por onde passou.

Agora mãos femininas, umas suaves,
Outras duras e brutas,
Agarram-me e fazem-me livre,
Livre de um pouco de mim que lhe enche a boca
De palavras que nunca serão ditas.
Não sou feliz no momento,
Não sinto e é tudo;
Anulo-me no corpo de alguém,
Limitado no meu, sem tédio...
... Dou uma volta no baloiço da Lua.


07-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Intragável

É imposível, mas eu caminho, sobre este pântano
De lama, ou água suja, não sei...
Tudo é um meio-termo, um ser não ser,
Um amar e não querer, um desejar para o esquecer.
Tudo se perde quando caminhamos,
De pensamentos no alto do descontentamento sem razão.
Caminho só, sem mão para o que o mundo me tira,
Seco-me de tudo e sou eu, seco, sou eu inútil e vazio,
Outra vez esperando algo de fora, apesar de disso tentar fugir.
Não consigo partir para não regressar,
Pelo menos se levo o corpo comigo,
Nem consigo ser sozinho, pede-me outros...
Dispo-me e deito-me enquanto a neve descongela,
Arrefeço, acordo e visto de novo quem sou,
Quem digo ser e o que nunca ninguém vê.
Vou por aí, em busca de nada,
Apenas o desperdiçar de momentos
Sem que sejam chupados por outros.
(A solidão é o maior dos egoísmos.)
Não encontro em mim influências,
Não imediatamente após o acordar tardio
No despertar de tédio que se seguiu à noite vazia.
Sou puro e cru: intragável!
Por isso me vomito semidigerido por uma fome cansada.
Fecho os olhos e vejo mais na escuridão do meu interior cego.
Fecho os olhos e não encontro o sono que me compreenda,
Me acolha e me deixe não ser para o sempre de um momento.


06-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Rua do Almada revisitada

De uma recordação recente te vejo como antes de te conhecer,
Renovada na tua antiguidade suja e escura.

Apago passos com passos para o esquecimento
E fecho em mim mais uma loja
Que já não sei se existiu em ti ou em mim apenas.
Encolheste mesmo que eu não tenha crescido
E tornaste-te familiarmente estranha
Como um primo que só se viu em memórias parciais.

Na sombra da tua igreja Neo-gótica,
Amadureci o meu ateísmo até não amargar mais,
Fantasiando horrores sexuais
Com as acólitas da beleza fora do prazo.

Ouço a serenata, mas a quem, não me lembro.

Passo pela porta aberta a todos,
Mas já não tenho a chave.
(Quem ocupará aquele espaço
Onde estou noutro tempo passado?)

Rio-me com dupla nostalgia
Ao passar pelo Pessoa de cem escudos
Numa das muitas lojas que o vendem por outro valor.
(e o valor que temos nunca é o que valemos.)

...e estou longe!
Perto do tempo da recordação
Em que recordei memórias facilitadas pelo espaço...
Hoje longe, aqui longe... (sempre as duas coordenadas!)

E quantas vezes por ti passei na companhia dela,
Ou regressando de estar com ela,
Quando o amor para existir
Tinha que ser tudo menos o verdadeiro, único e animal.
(quantos prefácios de orgasmos existencialistas
ficaram sem as palavras do corpo!)
Trazes-me o absurdo de amar ideias,
Mas deixei de crer no que os sentidos não tocam,
Ou quero acreditar que apenas sou fiel
À razão dos sentidos.

Tinha demasiado espaço em branco
No meu caderno de linhas
Para as tuas verdades caóticas
Que me feriam a imaginação de quem nunca viu com o corpo.

Miséria deixou de ser apenas uma palavra
Aprendida na segurança rural,
Tomou corpo, cheiro a sarro,
Actos desesperado contra quem não está na pele picada e pedinte
De uma fome pior que a real.

Em ti restos de amor mais sincero e directo,
Por ti os recipientes vazios de uma descarga existêncial
Sem finalidade e por isso real como a vida.

Quantos regressos a mim
Quando regressei a ti após uma noite
Tão vazia dos outros e de mim!

A partir de ti parti para um mundo desconhecido,
Onde conheci a condição humana
Entre os seus problemas mais reais de carne.
Aprendi a enfrentá-la, a dos outros,
E uma vez mais, uma palavra, uma ideia,
Tomou forma à minha frente,
Eu vestido de branco e ridículo
Perante a sua inelutável veste negra...
...custou, mas tornei-me estéril, agudo,
mais um instrumento de adiamento.

Sou tu, mas movo-me
E em ti se movem...
...uma variedade incoerente
Desde a loja russa ao cão que fuma.


01-04-2009

Rantasalmi-Savonlinna

João Bosco da Silva

terça-feira, 31 de março de 2009

Primavera?

O gelo que cobria os lagos abre-se
Revelando-os, vibrantes de vida velada.
Há humidade no ar e as pupilas,
Antes dilatadas, escondem-se atrás das pálpebras,
Tímidas do calor azul, adivinhando o verde.
O húmus molhado, geme a cada passo
Sobre ele, as gaivotas procriam,
Ejaculando no ar um chinfrim ensurdecedor.
O vento baloiça as árvores e plantas menores
Numa masturbação fertilizadora.

Encerro-me em casa, escondo-me
Da Primavera e escrevo isto,
Fingindo um ritual de acasalamento
Feito de dedos e tinta,
Sons mudos para os olhos.


31-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 30 de março de 2009

Longe de estar perto

Cansado de nada, de estar em todo lado
Em mim e em lado nenhum na realidade.

Caminho nesta praia em direcção a mim,
Ao que me ficou atrás e nunca fui.

Daqui não sairei, desta ilha, minha...

(Tantos reinos perdidos, reis esquecidos,
Poder limitado pelo verdadeiro poder
Das regras universais...)

Ai que sou tão deste tamanho!
Ai que me tenho todo na palma da mão,
Entre um punho fechado e velado,
Entre o contorno ósseo e a cobertura rosada
E nada mais!

Que longo nome!
Descrevo, descrevo-me sem imagens,
Mas nunca estou.

Condenação a de ser para mim,
Ser todos os outros que não sou
Para os outros que não sei quem são.

De onde e para quê?
Quem e porquê?

Deixa-me dormir no entardecer,
Que não quero fechar os olhos na escuridão.


30-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

domingo, 29 de março de 2009

Deo gratias

Despejado!
Não criado ou parido,
Somente caído do nada
Que não aceitou a minha inexistência.
Ocupava demasiado espaço para não ser,
Agora ocupo muito pouco para quem é.

Passam vidas por mim
E só me vêem o que eu não vejo
Por estar de costas.

Despejaram-me aqui,
Eu verto-me por aí, aos poucos,
Até à eternidade...

...na hora da nossa morte. Amén.


22-03-2009

Rantasalmi

João Bosco da Silva

sábado, 21 de março de 2009

Sem sabor


Contra mim, isto...
Às vezes falta o sabor,
A mulher é para passar,
Nada se quer com o amor,
Nada a fazer, só rimar.

Não se encontra o fundo
Após muito se pensar.
Não se possui o mundo
Após muito viajar.

Quando a rima custa mais
Que um qualquer pensamento,
Perde-se aquele filho
Antes de nenhum casamento.

21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Desperdício de Ócio

Uma praia entre um parque e umas termas,
Dentro de alguém que não está.

Andorinhas regressam de onde não se conhece,
Mas quem hoje as vê de olhos fechados,
Não as sente conhecendo o tal lugar.

Perde-se a transparência nos anos,
Perdem-se os sonhos,
Esquecidos,
Reprimidos,
Realizados,
Encolhemos a cada um que perdemos.
Fomos tão grandes antes deles
Nos tocarem a motivação consciente!

Sonha a vida acordado
Que na eternidade descansarão
Os que tu és.


21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Um Dia da Árvore que ficou Além

Passam por mim, estranhas e alheias,
As minhas memórias de outros
Que morreram, neste que morrerá.
Desejo ser um cadáver vivo
Neste corpo prostituído pelo tempo.

Não me reconheço quando me penso
E me recordo. Antes água,
Agora sedimento, mal humedecido,
Quase lama sem poder ser
Coisa nenhuma.

Passeio por um passado não meu
E eu com saudades do que não é.

Lembro lágrimas que não choro
E sinto o sal mal desperdiçado.

Tudo foi como uma árvore que se
Plantou, no Dia da Árvore
Da criança que não acredito ter sido,
Ritual, meio sem fim,
Como todas as mulheres como noites,
Mas com a duração entre um olhar
E um orgasmo no vazio
De ninguéns nunca nascidos.

De que serve o livro que ninguém leu,
A um morto que à vida ainda pertence?

Os anos passam, mas só imagens ficam
E dessas...
Essas precisam olhos para se mostrarem.


21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

domingo, 15 de março de 2009

Interjeicão de um Pensamento e Mijo na Cabeça

Não conheço o meu tamanho,
Mas tento medir-me por palavras
Como um cego que tenta medir o tamanho das cores.

...pensamentos, palavras, actos e omissões
E só nas omissões foi cometido pecado,
Contra as palavras que nunca se tornaram actos
E se perderam nos pensamentos de um que se esqueceu.

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Como quando era estudante
E a vontade de mijar vinha mal entrava na sala
Logo após o intervalo.

É isto o que isto é,
Um jorro de mijo pelos olhos adentro,
Palavras salgadas e quentes,
Excitantes para os preversos,
Porcas para quem tem olhos que toleram pouco
E não vêem além do nariz.

Escrevo quando estou apertado
E a ureia filtrada dos meus dias,
Não se acomoda mais na minha bexiga cerebral.



Rantasalmi

15-03-2009

João Bosco da Silva

quinta-feira, 12 de março de 2009

Nem Sempre Há Nuvens no Horizonte

Sentado numa das poucas manhãs que são minhas,
De café em punho e sol a vestir-me os sentidos de raridade,
Sinto-me mais completo que um saco cheio de nada.

Sem mais desejos que o de sorver a goles lentos o café forte
Que me acorda para o dia sem promessas,
Encaro a luz que me faz contrair a pupila
Como o tempo que me faz contrair a vida.

Dilate-se o peito e multipliquem-se os encontros com a felicidade!

O branco cinzento dos dias passados
Parece hoje branco verdadeiro,
Prenhe de beleza estéril e desolada esperança encoberta.

Hoje tenho vontade de viver!
Acordei outro que não aquele com quem me deitei.
Gosto deste de pouca dura...
As nuvens brevemente se cruzarão com o sol,
O café está acabado, a chavena já está fria
E o mundo já me chama aos meus deveres
Que não estiveram incluídos no contrato para a vida,
Assinado antes de ter dedos para isso.


12-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 9 de março de 2009

"Os Poemas De Ninguém"

Os Poemas de Ninguém estarão brevemente em livro e por essa razão, os poemas editados em livro foram removidos do blog. Obrigado aos leitores, espero que continuem a ler os que aqui passaram em papel e os novos que surgirão.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Relatividade

E se pudesse recomeçar, ou continuar onde desisti,
Ou onde perdi o que não tive forças para segurar,
Ou me cansei, ou me aborreci?
De nada valeria a pena, mesmo que isto que sou,
Tenha algum tamanho ou peso, que ninguém mede ou sente.

“Lembras-te”, pergunto por vezes estupidamente,
Como se estivesse a convocar uma memória comum.
Talvez se lembre da imagem que tenho dentro de mim,
Mas o antigo inquilino deixou-a quando se foi,
Não é minha, não me lembro e invoco-a falsamente hoje,
Como se o hoje fosse o prolongar desse ontem longínquo.

As minhas memórias de infância são tão falsas
E tão mal falsificadas que me vejo nelas,
Como uma terceira pessoa,
Sendo aquele que hoje as vê dentro,
Um fantasma num espaço somente interior,
Reflexo brumoso de um espaço perdido na realidade do tempo.

Detenho-me e encontro-me sempre como uma memória presente,
Nunca me encontrando no momento,
Como nunca consigo agarrar punhados de água.
O que sou, nunca sou o de agora,
Sou a recordação do que há instantes fui.
Tudo o resto é um espectro que flui
E deixa atrás a sua marca física, numa alma cerebral.

Tanto tenho errado, tanto tenho desejado, rejeitado e destruído,
Nunca sendo eu o responsável do momento!
Quanto do que eu criei foi o melhor que poderei
Alguma vez ter criado, só por ter morrido o único capaz de se igualar
Ou de se ultrapassar!

E com isto, sem o querer, mas provocando-o,
Fica aqui mais um registo de um defunto numa vida que perdura.


28-02-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Indefinível

A pele que me esconde, os olhos que me revelam,
Mas mentem na sua cor verde de quem se fala isto e aquilo,
Generalizando o irrepetível.
Os dedos que me acusam a presença
E se agarram a esta passagem como se fossem eu todo.
A boca que se busca em sabores alheios para se sentir
Mais acima no cego orgão que vê o que o mundo me mostra,
O que quero do mundo e o que do mundo não quero a todo custo.
Entre tudo, retalhos retalhados e repetidos,
Entre os eus que me povoam e os eus que sou nos olhos deles,
Não me encontro, nem me perco.
Existo como uma palavra escrita que a nada real corresponde,
Ou algo real que não é traduzível para nenhuma palavra.

(Vejo-os e invejo-os porque nunca me poderei ver assim.
Vejo-os e desprezo-os porque são tudo o que não há em mim.)

Os dias não deixam nenhum rasto,
Passam e logo se esquecem,
Como uma lesma seca, que não deixa no caminho percorrido
A sua marca viscosa.

A impressão nas minhas sinapses
É de pouca duração,
O que faz de mim um morto no amanhã,
Possuído por um outro nascido no acordar
Do meu corpo de sempre.

As mãos fascinam-me como se fossem outros seres,
Além de mim e da vontade.
Não fossem elas e não me fascinaria com o que elas fizeram,
Não fossem elas e eu nunca diria o que a voz não pode,
O que os olhos mentem e o que o corpo todo não sente,
Por estar limitado aos outros corpos.

Confesso-me inocente dos actos a que a vontade me obrigou,
Mas reconheço a culpa de todo o acto covarde de respeito à moral
Que os outros me tatuaram e não sei quem eles são por serem tantos
E nenhum em concreto.

Despeço-me de todos e de mim,
Esperando que o que amanhã me representar,
Seja merecedor da vida que não pediu.


27-02-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Do suicídio não se ganham desilusões!

Do suicídio não se ganham desilusões!

01-09-2008
João Bosco da Silva
Savonlinna