segunda-feira, 25 de maio de 2009

Nunca em Tomar

ao António Lobo Antunes, que nunca lerá isto

Espero sentado o autocarro,
Com o primeiro sol decente do ano,
Em Tomar, com o António Lobo Antunes.
Aparece-me um troll escandinavo fêmea,
Prenha de desinibição ébria no sangue,
Ou esquizofrénica no que o sangue agarra
E interrompe-nos.

Convicta da pertinência e da certeza,
Pergunta-me se estudo russo,
Ou afirma-o... na minha deficiência, não sei.
Português respondi,
Por deficiência e eficiência.
Balbucia-me uns grunhidos e eu,
Mais uma vez, Agosto, deficiente e eficiente.

Sou salvo por um taxista!

Regresso e já o António está com os dedos
Na Amélia, que também tinha um noivo,
Ou namorado, na Guiné.
Também tive uma Amélia,
Mas pouco Amélia,
Só mesmo o namorado na Guiné...

Vem-me a estagiária de fisioterapia,
Invariavelmente loira.
É a sua última semana e sorrio.
Primeira vez que trocamos mais que três palavras.
Mudo o idioma, porque tem os olhos azuis,
Mas não me interessa.
Sabendo que não,
Pergunta se é aquele o nosso autocarro.
Sorrio e diz-me que amanhã tem o dia livre.

O autocarro certo para mim,
Interrompe-nos em terceira mão.
Entramos e boa folga.
Procuro dois lugares livres...
finalmente regresso a Tomar,
(Nunca meus pés em Tomar)
Pelo mapa que o António fez,
Num autocarro para Savonlinna.

Savonlinna

25/05/2009

João Bosco da Silva

Memória de Elefante

As memórias são o que somos
E ao sermos, o ser dói muito.

Trazem-nos a presença do que nos faltou e falta,
O que quisemos e nunca tivemos
E o que ainda queremos e por isso continuamos.

Não se deseja o que se esqueceu,
Mas o que se esqueceu quer ser lembrado...
ou não!
(Talvez se tenha esquecido o que se não deseja,
Por não se desejar mais,
Ou talvez ainda seria desejado,
Se não tivesse sido esquecido.)

Comi e gostei,
Lembro-me e gosto!

Toquei e doeu,
Lembro-me e evito.

Ratos num labirinto de Skinner
Com memória de elefante.


Rantasalmi

22.05.2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 19 de maio de 2009

Fotografia

Quem é aquele rapaz na fotografia com os meus amigos?
Não o conheço!
Lembro-me de coisas que ele viu,
Do que dizia gostar e do que gostava mesmo,
Mas dele, não me lembro.

Como nunca cheguei a conhecer aquele estranho,
Que deve ser da família,
Já que está em todos os álbuns de fotografias lá de casa?
Impossível nunca nos termos cruzado!

Por onde andará agora?
Ainda deve estar nas fotografias,
Eterno,
Cheio de esperança e sonhos no olhar...
Crente num sentido, sem o conhecer, mas acreditando.

Como se sentia ele tão seguro e cheio,
Estando quase em branco?

O sorriso dele é-me familiar,
Faz-me lembrar não sei que calor,
Não sei que companhias em inocência,
Não sei que paz no estar...

Parece-me tê-lo ouvido uma vez,
Numa noite de São João,
A cantar sem letra, uma música que esqueci.

Contou-me um gato, que ele o olhou à noite
Enquanto atravessava um caminho de terra,
Iluminado pelo último candeeiro da rua
E nisso viu um sentido maior...

...da varanda do quarto da sua irmã,
Que, vim a saber, é a mesma que a minha.

Não sei o que fazem no meu quarto
Os seu poemas ridículos de amor.
Será ele um primeiro filho de minha mãe,
Que morreu antes de eu ter nascido,
Ou ao mesmo tempo que eu nascia,
De quem nunca me falaram?
Nem quero ler as palermices dele,
Nem sentir vergonha por alguém que não conheço!

E ele a sorrir sempre,
Eternamente,
Para mim, que nunca o vi realmente,
Troçando dos meus olhos míopes,
Lembrando-me que me perdi
E que existem muitas mortes na vida...
...não se move.
Foi tudo imaginação minha.

Está apenas,
Alheio ao tempo entre nós,
A um braço de distância.


19-05-2009

Rantasalmi (Kalle-kustaa)

João Bosco da Silva

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sexta-feira, Vinho e Limões

Fodias-me tu?
Tambem eu
eu é que te fodia com tudo
ou melhor...
sincermente,
vinha-me nas primerias tacadas
que tou com uma vontade
do teu interior
que me vinha logo para alivio
depois:Foda Recreativa!
E não. Nao é bruto
é realisata
merda
realista
algo visceral
alguma merda segregada...
Podes-me foder como quiseres
só assim me sinto vivo
fodasse e adoro a palavra fodasse
escritos a que chamo refluxos gastroesofágicos
mas vou-me que o vinho mo pede
gosto mais de ti do que a carne que toco
e isso... quer dizer muito
porque sou um gajo demasiado...amaricado e romântico
beijos
e foi bom o monólogo




Savonlinna?

15-05-2009

João Bosco da Silva?

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Macieiras

Nunca fui infeliz com uma macieria por perto!
Desde o início dos meus tempos,
Antes de mim e muito antes de deus ter morrido,
Fui feliz em cima e por baixo delas.
Nuas ou vermelhas e verdes,
Ou só verdes, ou verdes e amarelas,
Todas me acompanharam no prazer de sem dor
Que é a felicidade.

No ínício dos tempos, eu só, em cima de uma,
No jardim do posto da Guarda Fiscal,
Provando a saborosa acidez
Da minha primeira maçã reineta.

Na página seguinte da bíblia, eu,
Desta vez com uma menina loira
E o meu primeiro beijo,
Debaixo das macieiras da tia
(que não me era nada) Maria Alice.

Há menos vidas atrás,
No lameiro do meu avô no Carvalhal,
Em Agosto, curando à sombra de uma,
A doce náusea do dia seguinte
Das primeiras-comunhões da amizade,
Com as conquistas pequenas,
Maiores que as para o nada de hoje
Recebendo-se tudo.

Já não me lembro da última vez,
Em que por perto,
Esteve uma macieira.


Rantasalmi - Savonlinna

15-05-2009
João Bosco da

Churrasco de Galinha de Ovos de Ouro

Não apostaram em mim,
Nem me deram o benefício da dúvida.
Deixaram apenas que se apagasse
E agora, carvão.
Frio, sem a chama criadora e ilumindada,
Resta-me apenas riscar no papel,
O ressentimento amargo em poemas sujos.

Deixaram-me enferrujar,
A mim,
Que merecia o risco de um pouco de óleo.

Sem nome e se lugar,
Sem deus...
Que mais poderia eu ter sido,
Quando só se é grande,
Se as cabeças dos outros vêem a grandeza
Sem necessitarem dos olhos.

Nada esperaram de mim,
E eu, cheio de ovos,
Deixei morrer o ser fértil e com ele,
Os ovos infertilizados.

Fui nada com tudo pela frente,
Agora, sou um nada acabado.
Uma galinha de ovos de ouro
Que decidiram usar para mais um churrasco.


Rantasalmi

14-05-2009

João Bosco da Silva

Moral

A porcaria de um cromo,
Algo que não pertencia na porta do frigorífico,
Mal arrancado.
Agora nem cromo,
Nem branco limpo de frigorífico:
Cola suja e ilhas da imagem que persiste
E não pertence, ordenadas sem coerência.

Erros de criança que perduram.
Erros dos outros na criança que não será.


Rantasalmi

13/05/2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 12 de maio de 2009

Por Nada


À Torgueira, por me ter dado a mim

Por nada, ou para encontrar razão no nada
Que o algo sempre antecede.
Não sei porque estou aqui,
Porque escolhi as direcções que escolhi e não as outras,
Que acabei depois por querer,
Mas já não existiam.
Deixem quem eu era e quem me eram,
Mas não me esqueço,
Levo sempre tudo arrastado,
E por dentro o vazio de levar as coisas fora.

Procuro a fugacidade das sensações
Puramente físicas, sentindo só as variações viscerais
Que outro corpo me traz,
Para cavar ainda mais no vazio, dentro da carne que sente
Falta de presença específica.

Olho-me e é sempre com grande distância que me vejo.
Não comigo, com os que são eu,
Os que me fizeram eu.
Nem quando me sentem dentro
Me sinto dentro verdadeiramente,
Ejaculo e acordo para a realidade.
O vazio regressa, mas o desejo de preencher
Os vazios de outros é maior e mais forte.

Não preciso de mim para ser infeliz,
Basta-me a ausência dos que não estão
E dos que estão e me é tão indiferente.

Pintei mais um absurdo com sentido dentro,
Porque estava cansado das palavras,
Sempre tão presas ao que querem dizer,
Mesmo que não digam nada.

O cheiro à terra quente molhada pela chuva breve,
O reflexo da ponte romana no rio calmo de verão,
A confusão de aromas de corpos à beira da primavera no rio,
O som da brisa no feno, com as mãos cheias de carne,
O rio Douro atravessado por pontes de ferro e arquitectas,
A comunhão no ritual dos últimos momentos da infância pela madrugada,
A ajuda da vodka e da cerveja na união de almas já unidas,
A saudade dos momentos da partida, quando um mundo pára...

Mas não! Os meus sonhos arrastam-me para o nunca visto,
Para o nunca sentido, mesmo não sabendo se valerá a pena.
Não! Os meus desejos, que nem isso são,
Levam-me onde se morde um cão morto com fúria cega, sem razão,
Bebe-se por um crânio urina embriagada de desconhecidos
E como por uma bota de vinho o sangue quente de uma galinha sem cabeça.
Não! Os meus desejos são apenas espaços vazios
Daquilo que ainda não senti, não fazem parte de mim,
Preencho-os e morrem, tornam-se memórias,
Sensações por momentos, como a vida,
Mas com direito a perdurarem sem existirem mais,
Porque há vida. Nada mais além disso.
Os meus desejos são as recordações que ainda não tenho na memória.

Por nada, para nada... páginas sempre diferentes do livro
Que ninguém lerá, quando os meus olhos se fecharem,
Sem os olhos que me vêem de verdade quando estão...
E nunca sou verdadeiramente eu... e sem eles.


Savonlinna

12/05/2009

João Bosco da Silva

domingo, 10 de maio de 2009

Minto!
E isso é verdade.
Outra verdade mais verdadeira,
Seria mentira.

Não sou suficientemente egoista
Para desejar que haja deus.
Pobre dele...


06/05/2009

João Bosco da Silva

Happy Time

Aqui, somente aqui e em mais nenhum lugar,
Estou...
E digo-o como se fosse verdade!
E não sei se é,
Ou não.

Perdido, eu, entre o que sou
E deixei de ser,
Embriagado de corpo e alma.

Sou mais porto que eu,
Menos eu que porto...
Líquido inconsciente mais vivo que certas vidas.


Savonlinna, happy time bar

06/05/2009

João Bosco da Silva

Freud revisitado?

Nunca caguei num peito…
Nunca mijei numa cara…
Por dentro, já fiz pior...
E pior porquê?

Quantos foram mijados por primos sonâmbulos em casa da tia?
Quantos se maquilharam com merda no berço...
E ainda o fazem em adultos?

Pior é fazer merda dentro do peito,
Mijar dentro do que a cara em parte representa.

Pior é ser eu.


Rantasalmi - Savonlinna

10/05/2009

João Bosco da Silva

domingo, 3 de maio de 2009

O Dia dos Meus Anos

É para se lembrarem que existo, umas palavras, uns números,
Nada mais... não como dantes, com eles e gargalhadas,
Não como o de antes, de sorriso tão grande na alma
Que nada mais podia sentir por dentro que não fosse alegria.
A mesa cheia com pouco e quente de gente.
A mesa vazia de tudo e mais só que a solidão singular.
Não há nada a celebrar. Cada vez mais distante,
Irreversívelmente distante. Cada vez mais perto,
Verdadeiramente mais perto. Celebra-se a aproximação do nada.

Congratulam-me, de forma ritual, sem me sentirem,
Sem me saberem... palavras para um conceito,
Já não pessoa: ideia, memória associada a um nome,
A uma data que é hoje, mas já não é.
E todos tão longe, longe de longe e longe de mim,
E eu que já nem me consigo ver.

E sem mais palavras dizem-me que me querem...
Foder, porque não me conhecem para o resto,
Sabendo no dia o dia que é. Usando-me e eu me usando neles.
Perdido no sem isto que me faz sofrer
Até no dia dos meus anos, mais que outro dia,
Por não ser outro dia.

E tão como os outros que me vejo nele,
Vala aberta onde apodreço num amontoado indefinível
De gente que não é, mas naceu como se o fosse,
Mas nunca se tornou... nascidos para a vala comum,
Que é o mundo, neste dia, nos que foram e nos vindouros.

Faço com que os outros chorem por mim,
Abrindo neles as feridas que não me vêem.
Acuso-os dos pecados que cometi,
Absolvendo-os com as pedradas de quem nunca pecou.
Tudo só porque é o meu aniversário.

Nada desejo e tudo me falta.
Tenho tudo o que não me faz falta
E o que necessito não posso comprar porque nem sei se existe,
Nem o que é.
Oferecem-se, mas nem deles são,
Querem-me, mas não sabem quem.

Números e palavras, lembranças do que se teve sem se pedir,
Se pode negar só depois de não ser aceite e se ter
E mesmo que se goste e se queira ficar... amostra cruel
Para nada.


Savonlinna

03-05-2009

João Bosco da Silva

Nota entre uma idade e outra

Dorme e esquece, que amanhã
Tudo te parecerá como um pesadelo
E continuarás a vida iludido
Pela desilusão adiada...
Que a vida te guarda.

Savonlinna

01/05/2009

João Bosco da Silva