terça-feira, 31 de março de 2009

Primavera?

O gelo que cobria os lagos abre-se
Revelando-os, vibrantes de vida velada.
Há humidade no ar e as pupilas,
Antes dilatadas, escondem-se atrás das pálpebras,
Tímidas do calor azul, adivinhando o verde.
O húmus molhado, geme a cada passo
Sobre ele, as gaivotas procriam,
Ejaculando no ar um chinfrim ensurdecedor.
O vento baloiça as árvores e plantas menores
Numa masturbação fertilizadora.

Encerro-me em casa, escondo-me
Da Primavera e escrevo isto,
Fingindo um ritual de acasalamento
Feito de dedos e tinta,
Sons mudos para os olhos.


31-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 30 de março de 2009

Longe de estar perto

Cansado de nada, de estar em todo lado
Em mim e em lado nenhum na realidade.

Caminho nesta praia em direcção a mim,
Ao que me ficou atrás e nunca fui.

Daqui não sairei, desta ilha, minha...

(Tantos reinos perdidos, reis esquecidos,
Poder limitado pelo verdadeiro poder
Das regras universais...)

Ai que sou tão deste tamanho!
Ai que me tenho todo na palma da mão,
Entre um punho fechado e velado,
Entre o contorno ósseo e a cobertura rosada
E nada mais!

Que longo nome!
Descrevo, descrevo-me sem imagens,
Mas nunca estou.

Condenação a de ser para mim,
Ser todos os outros que não sou
Para os outros que não sei quem são.

De onde e para quê?
Quem e porquê?

Deixa-me dormir no entardecer,
Que não quero fechar os olhos na escuridão.


30-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

domingo, 29 de março de 2009

Deo gratias

Despejado!
Não criado ou parido,
Somente caído do nada
Que não aceitou a minha inexistência.
Ocupava demasiado espaço para não ser,
Agora ocupo muito pouco para quem é.

Passam vidas por mim
E só me vêem o que eu não vejo
Por estar de costas.

Despejaram-me aqui,
Eu verto-me por aí, aos poucos,
Até à eternidade...

...na hora da nossa morte. Amén.


22-03-2009

Rantasalmi

João Bosco da Silva

sábado, 21 de março de 2009

Sem sabor


Contra mim, isto...
Às vezes falta o sabor,
A mulher é para passar,
Nada se quer com o amor,
Nada a fazer, só rimar.

Não se encontra o fundo
Após muito se pensar.
Não se possui o mundo
Após muito viajar.

Quando a rima custa mais
Que um qualquer pensamento,
Perde-se aquele filho
Antes de nenhum casamento.

21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Desperdício de Ócio

Uma praia entre um parque e umas termas,
Dentro de alguém que não está.

Andorinhas regressam de onde não se conhece,
Mas quem hoje as vê de olhos fechados,
Não as sente conhecendo o tal lugar.

Perde-se a transparência nos anos,
Perdem-se os sonhos,
Esquecidos,
Reprimidos,
Realizados,
Encolhemos a cada um que perdemos.
Fomos tão grandes antes deles
Nos tocarem a motivação consciente!

Sonha a vida acordado
Que na eternidade descansarão
Os que tu és.


21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Um Dia da Árvore que ficou Além

Passam por mim, estranhas e alheias,
As minhas memórias de outros
Que morreram, neste que morrerá.
Desejo ser um cadáver vivo
Neste corpo prostituído pelo tempo.

Não me reconheço quando me penso
E me recordo. Antes água,
Agora sedimento, mal humedecido,
Quase lama sem poder ser
Coisa nenhuma.

Passeio por um passado não meu
E eu com saudades do que não é.

Lembro lágrimas que não choro
E sinto o sal mal desperdiçado.

Tudo foi como uma árvore que se
Plantou, no Dia da Árvore
Da criança que não acredito ter sido,
Ritual, meio sem fim,
Como todas as mulheres como noites,
Mas com a duração entre um olhar
E um orgasmo no vazio
De ninguéns nunca nascidos.

De que serve o livro que ninguém leu,
A um morto que à vida ainda pertence?

Os anos passam, mas só imagens ficam
E dessas...
Essas precisam olhos para se mostrarem.


21-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

domingo, 15 de março de 2009

Interjeicão de um Pensamento e Mijo na Cabeça

Não conheço o meu tamanho,
Mas tento medir-me por palavras
Como um cego que tenta medir o tamanho das cores.

...pensamentos, palavras, actos e omissões
E só nas omissões foi cometido pecado,
Contra as palavras que nunca se tornaram actos
E se perderam nos pensamentos de um que se esqueceu.

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Como quando era estudante
E a vontade de mijar vinha mal entrava na sala
Logo após o intervalo.

É isto o que isto é,
Um jorro de mijo pelos olhos adentro,
Palavras salgadas e quentes,
Excitantes para os preversos,
Porcas para quem tem olhos que toleram pouco
E não vêem além do nariz.

Escrevo quando estou apertado
E a ureia filtrada dos meus dias,
Não se acomoda mais na minha bexiga cerebral.



Rantasalmi

15-03-2009

João Bosco da Silva

quinta-feira, 12 de março de 2009

Nem Sempre Há Nuvens no Horizonte

Sentado numa das poucas manhãs que são minhas,
De café em punho e sol a vestir-me os sentidos de raridade,
Sinto-me mais completo que um saco cheio de nada.

Sem mais desejos que o de sorver a goles lentos o café forte
Que me acorda para o dia sem promessas,
Encaro a luz que me faz contrair a pupila
Como o tempo que me faz contrair a vida.

Dilate-se o peito e multipliquem-se os encontros com a felicidade!

O branco cinzento dos dias passados
Parece hoje branco verdadeiro,
Prenhe de beleza estéril e desolada esperança encoberta.

Hoje tenho vontade de viver!
Acordei outro que não aquele com quem me deitei.
Gosto deste de pouca dura...
As nuvens brevemente se cruzarão com o sol,
O café está acabado, a chavena já está fria
E o mundo já me chama aos meus deveres
Que não estiveram incluídos no contrato para a vida,
Assinado antes de ter dedos para isso.


12-03-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 9 de março de 2009

"Os Poemas De Ninguém"

Os Poemas de Ninguém estarão brevemente em livro e por essa razão, os poemas editados em livro foram removidos do blog. Obrigado aos leitores, espero que continuem a ler os que aqui passaram em papel e os novos que surgirão.