domingo, 26 de abril de 2009

Interferência

O momento que antecedia o entrar na igreja de cruz ao alto,
Em frente e no início do ritual,
Enchia-me a mente como a humidade a atmosfera antes da tempestade.
Sentia o ritual como algo solene, com um sentido velado cheio de sentido,
Que só o padre conhecia.
A alienação fascina, o desconhecido como a fantasia
Alimentam-nos a alma de criança em corpo de acasalamento.
A cruz de madeira e eu a segurá-la como se fosse gente!

(Ah, orgias: tudo ao molho e fé no caralho!)

Domingo, de manhã cedo, em jejum, assentam-se os cabelos
Com água como a benta da entrada da igreja, mas limpa.
O sol dizia que era Domingo e sentia-se o dia diferente dos outros.

(Náusea: na manhã de Natal de ressaca dentro da cabeça
E uma vez mais, o corpo dentro do outro!)

A alma refrescava-se, sentia-se dentro algo renovado,
Mas igual tudo, roupa velha acabada de lavar,
Ilusão de crer, cegueira feliz de sentir dentro o impossível.

(Ah, o alívio apressado de uma prostituta intelectual,
Tão reconfortante no ego e na carteira!)

Vestido de branco, mas de outro, entrava de cruz ao alto na porta principal,
Seguido de uma aurea que nunca existiu,
De amigos de andar por ver e eu com eles, por ser.
O ritual começa estéril, inútil, mas essencial e vital para a vida de quem o necessita.
O aroma da cera das velas e do incenso no ar... cheira a funeral e baptizado,
Entre a vida e a morte, o pecado e a absolvição,
O ascetismo cínico e a libertinagem sincera,
O admirável e o condenável...
Muros de pedra grossa, erguidos na linha entre a liberdade e a impossíbilidade dela.

(Ah, matar as tardes com vinho do porto e suores femininos
Até à morte do momento pelo excesso de carne!)


26-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

Alicerces de Ser

Tento encontrar-me fugindo dos que me aproximam ao original.
Busco onde nunca pisei, porque acredito que o que sou,
Não é o que fui.
Quero inventar-me sem me saber.

É impossível que o perfume que nunca cheirei,
Me faça regressar aonde nunca estive.

Despi-me das roupas tradicionais
Para envolver o corpo com outros trapos.
Se quero regressar,
Já não me serve a roupa.
Se quero sentir a pele,
Está coberta de insensibilidade.

Quando regresso, não sei qual deixe dominar-me
E representar o corpo mais eu.

Terei ainda a mesma cor de olhos
Daquele de cabelo mais claro e de alma maior e mais limpa?


22.04.2009

Helsínquia

João Bosco da Silva

Negação

Perdido entre pensamentos coloridos
De mortos valiosos no nada,
Rodeado de formas sentidas de dentro para fora,
Deslumbrado pelo aborrecimento do maravilhoso
Simplesmente humano e possível,
Sinto palpitar a minha mais selvagem imaginação,
Incapaz de qualquer tipo de arte.

As obras humanas que se me atravessam
Na linha do desejo, de olhares penetrantes,
Excitam-me mais o sentido da vida.

E tudo são sublimações, mastigações, frustrações, negações,
Emoções quando não nos ocupam as sensações.

E tudo é tinta, pedra e tecido,
Distante e frio, humano de interior,
Filhos da companhia solitária...
(E elas passam de olhos vivos e fogo sempre aceso.)

Afogo-me no mar de beleza multicolor
E sinto que valeu a pena.
Atravesso a cascata do maior prazer
Sem molhar a minha pele que pede
O que a consciência lhe nega.


21-04-2009

Paris

João Bosco da Silva

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Foda na Aldeia

No lameiro verde de frescura, rasgado por agueiras,
Encostado a uma macieira sardenta de maçãs vermelhas,
Com as vacas tetudas a pastar,
Estou completo como ejaculando dentro da prima afastada,
De mamas sempre mais próximas,
Lá da aldeia.

Dentro de um palheiro aprende-se mais da vida que vale a pena.
Entre palhas e cabelos,
Beijos e picadas nas nádegas,
Nádegas e o mugir de vacas no estábulo ao lado,
Sabe a vida a vida real e original.

Na festa do verão, quem está é novidade
E o velho moinho une corpos,
Como um templo une almas... pão.

Se há carro, monta-se nela nele,
Enquanto os tractores, quase nos acariciam
Com o flagrante que apressa a descida do leite
No leito encharcado de fertilidade.

Espreme-se o leite nas tetas
Para que no domingo de manhã,
Não haja anúncios de falsas uniões.

Na aldeia sente-se a existência
Como era antes de existência ser...
Não se vive por nada,
Vive-se porque sabe bem.

Isto pode ser masturbação intelectual, mas...
Sabe bem como dar uma Foda na aldeia!


Rantasalmi – Savonlinna

09-04-2009

João Bosco da Silva

terça-feira, 7 de abril de 2009

Um Baloiço na Lua

Será para sentir um pouco da minha alma
Dentro delas, sedentas de algo mais... ?
Entro e saio e de alma nem rasto.
Só sente o que o corpo lhe manda que sinta,
Isolada nela, cega que conhece o mundo
Por mensageiros que não ouve.
Se pede ao corpo que sinta
É para sentir pensando que sentiu.
No corpo nada dura.

Abrem-se os olhos e o mundo existe,
Fecham-se e todo ele entra dentro de nós,
Irreal, incompleto, remendado pela imaginação.

Entro em ti ou nela,
E o estremecimento final é o mesmo:
Uma sacudidela forte de cão molhado,
Secando o meu corpo da água que me incomoda.
Ando todo o dia com água no pelo,
Desde que acordo e me cai o dia em cima
E me arrasto por ele,
Encharcado de mim.

O mundo era maior
Quando os limites do meu mundo
Me cabiam fora dos limites da imaginação.
Tudo podia ser isto ou aquilo,
Isto e aquilo, nem isto nem nada...tudo!
Limitei a imaginação com a realidade!
A mão pequena agarrava mais mundo
Quando de mundo tinha menos.
A mão cansada apenas pó leva
Dos lugares por onde passou.

Agora mãos femininas, umas suaves,
Outras duras e brutas,
Agarram-me e fazem-me livre,
Livre de um pouco de mim que lhe enche a boca
De palavras que nunca serão ditas.
Não sou feliz no momento,
Não sinto e é tudo;
Anulo-me no corpo de alguém,
Limitado no meu, sem tédio...
... Dou uma volta no baloiço da Lua.


07-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Intragável

É imposível, mas eu caminho, sobre este pântano
De lama, ou água suja, não sei...
Tudo é um meio-termo, um ser não ser,
Um amar e não querer, um desejar para o esquecer.
Tudo se perde quando caminhamos,
De pensamentos no alto do descontentamento sem razão.
Caminho só, sem mão para o que o mundo me tira,
Seco-me de tudo e sou eu, seco, sou eu inútil e vazio,
Outra vez esperando algo de fora, apesar de disso tentar fugir.
Não consigo partir para não regressar,
Pelo menos se levo o corpo comigo,
Nem consigo ser sozinho, pede-me outros...
Dispo-me e deito-me enquanto a neve descongela,
Arrefeço, acordo e visto de novo quem sou,
Quem digo ser e o que nunca ninguém vê.
Vou por aí, em busca de nada,
Apenas o desperdiçar de momentos
Sem que sejam chupados por outros.
(A solidão é o maior dos egoísmos.)
Não encontro em mim influências,
Não imediatamente após o acordar tardio
No despertar de tédio que se seguiu à noite vazia.
Sou puro e cru: intragável!
Por isso me vomito semidigerido por uma fome cansada.
Fecho os olhos e vejo mais na escuridão do meu interior cego.
Fecho os olhos e não encontro o sono que me compreenda,
Me acolha e me deixe não ser para o sempre de um momento.


06-04-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Rua do Almada revisitada

De uma recordação recente te vejo como antes de te conhecer,
Renovada na tua antiguidade suja e escura.

Apago passos com passos para o esquecimento
E fecho em mim mais uma loja
Que já não sei se existiu em ti ou em mim apenas.
Encolheste mesmo que eu não tenha crescido
E tornaste-te familiarmente estranha
Como um primo que só se viu em memórias parciais.

Na sombra da tua igreja Neo-gótica,
Amadureci o meu ateísmo até não amargar mais,
Fantasiando horrores sexuais
Com as acólitas da beleza fora do prazo.

Ouço a serenata, mas a quem, não me lembro.

Passo pela porta aberta a todos,
Mas já não tenho a chave.
(Quem ocupará aquele espaço
Onde estou noutro tempo passado?)

Rio-me com dupla nostalgia
Ao passar pelo Pessoa de cem escudos
Numa das muitas lojas que o vendem por outro valor.
(e o valor que temos nunca é o que valemos.)

...e estou longe!
Perto do tempo da recordação
Em que recordei memórias facilitadas pelo espaço...
Hoje longe, aqui longe... (sempre as duas coordenadas!)

E quantas vezes por ti passei na companhia dela,
Ou regressando de estar com ela,
Quando o amor para existir
Tinha que ser tudo menos o verdadeiro, único e animal.
(quantos prefácios de orgasmos existencialistas
ficaram sem as palavras do corpo!)
Trazes-me o absurdo de amar ideias,
Mas deixei de crer no que os sentidos não tocam,
Ou quero acreditar que apenas sou fiel
À razão dos sentidos.

Tinha demasiado espaço em branco
No meu caderno de linhas
Para as tuas verdades caóticas
Que me feriam a imaginação de quem nunca viu com o corpo.

Miséria deixou de ser apenas uma palavra
Aprendida na segurança rural,
Tomou corpo, cheiro a sarro,
Actos desesperado contra quem não está na pele picada e pedinte
De uma fome pior que a real.

Em ti restos de amor mais sincero e directo,
Por ti os recipientes vazios de uma descarga existêncial
Sem finalidade e por isso real como a vida.

Quantos regressos a mim
Quando regressei a ti após uma noite
Tão vazia dos outros e de mim!

A partir de ti parti para um mundo desconhecido,
Onde conheci a condição humana
Entre os seus problemas mais reais de carne.
Aprendi a enfrentá-la, a dos outros,
E uma vez mais, uma palavra, uma ideia,
Tomou forma à minha frente,
Eu vestido de branco e ridículo
Perante a sua inelutável veste negra...
...custou, mas tornei-me estéril, agudo,
mais um instrumento de adiamento.

Sou tu, mas movo-me
E em ti se movem...
...uma variedade incoerente
Desde a loja russa ao cão que fuma.


01-04-2009

Rantasalmi-Savonlinna

João Bosco da Silva