quinta-feira, 2 de abril de 2009

Rua do Almada revisitada

De uma recordação recente te vejo como antes de te conhecer,
Renovada na tua antiguidade suja e escura.

Apago passos com passos para o esquecimento
E fecho em mim mais uma loja
Que já não sei se existiu em ti ou em mim apenas.
Encolheste mesmo que eu não tenha crescido
E tornaste-te familiarmente estranha
Como um primo que só se viu em memórias parciais.

Na sombra da tua igreja Neo-gótica,
Amadureci o meu ateísmo até não amargar mais,
Fantasiando horrores sexuais
Com as acólitas da beleza fora do prazo.

Ouço a serenata, mas a quem, não me lembro.

Passo pela porta aberta a todos,
Mas já não tenho a chave.
(Quem ocupará aquele espaço
Onde estou noutro tempo passado?)

Rio-me com dupla nostalgia
Ao passar pelo Pessoa de cem escudos
Numa das muitas lojas que o vendem por outro valor.
(e o valor que temos nunca é o que valemos.)

...e estou longe!
Perto do tempo da recordação
Em que recordei memórias facilitadas pelo espaço...
Hoje longe, aqui longe... (sempre as duas coordenadas!)

E quantas vezes por ti passei na companhia dela,
Ou regressando de estar com ela,
Quando o amor para existir
Tinha que ser tudo menos o verdadeiro, único e animal.
(quantos prefácios de orgasmos existencialistas
ficaram sem as palavras do corpo!)
Trazes-me o absurdo de amar ideias,
Mas deixei de crer no que os sentidos não tocam,
Ou quero acreditar que apenas sou fiel
À razão dos sentidos.

Tinha demasiado espaço em branco
No meu caderno de linhas
Para as tuas verdades caóticas
Que me feriam a imaginação de quem nunca viu com o corpo.

Miséria deixou de ser apenas uma palavra
Aprendida na segurança rural,
Tomou corpo, cheiro a sarro,
Actos desesperado contra quem não está na pele picada e pedinte
De uma fome pior que a real.

Em ti restos de amor mais sincero e directo,
Por ti os recipientes vazios de uma descarga existêncial
Sem finalidade e por isso real como a vida.

Quantos regressos a mim
Quando regressei a ti após uma noite
Tão vazia dos outros e de mim!

A partir de ti parti para um mundo desconhecido,
Onde conheci a condição humana
Entre os seus problemas mais reais de carne.
Aprendi a enfrentá-la, a dos outros,
E uma vez mais, uma palavra, uma ideia,
Tomou forma à minha frente,
Eu vestido de branco e ridículo
Perante a sua inelutável veste negra...
...custou, mas tornei-me estéril, agudo,
mais um instrumento de adiamento.

Sou tu, mas movo-me
E em ti se movem...
...uma variedade incoerente
Desde a loja russa ao cão que fuma.


01-04-2009

Rantasalmi-Savonlinna

João Bosco da Silva

1 comentário:

isabe1 disse...

a rua mais suja do porto, que subia carregada com a ma1a, desde são bento, para mais uma semana.