sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Indefinível

A pele que me esconde, os olhos que me revelam,
Mas mentem na sua cor verde de quem se fala isto e aquilo,
Generalizando o irrepetível.
Os dedos que me acusam a presença
E se agarram a esta passagem como se fossem eu todo.
A boca que se busca em sabores alheios para se sentir
Mais acima no cego orgão que vê o que o mundo me mostra,
O que quero do mundo e o que do mundo não quero a todo custo.
Entre tudo, retalhos retalhados e repetidos,
Entre os eus que me povoam e os eus que sou nos olhos deles,
Não me encontro, nem me perco.
Existo como uma palavra escrita que a nada real corresponde,
Ou algo real que não é traduzível para nenhuma palavra.

(Vejo-os e invejo-os porque nunca me poderei ver assim.
Vejo-os e desprezo-os porque são tudo o que não há em mim.)

Os dias não deixam nenhum rasto,
Passam e logo se esquecem,
Como uma lesma seca, que não deixa no caminho percorrido
A sua marca viscosa.

A impressão nas minhas sinapses
É de pouca duração,
O que faz de mim um morto no amanhã,
Possuído por um outro nascido no acordar
Do meu corpo de sempre.

As mãos fascinam-me como se fossem outros seres,
Além de mim e da vontade.
Não fossem elas e não me fascinaria com o que elas fizeram,
Não fossem elas e eu nunca diria o que a voz não pode,
O que os olhos mentem e o que o corpo todo não sente,
Por estar limitado aos outros corpos.

Confesso-me inocente dos actos a que a vontade me obrigou,
Mas reconheço a culpa de todo o acto covarde de respeito à moral
Que os outros me tatuaram e não sei quem eles são por serem tantos
E nenhum em concreto.

Despeço-me de todos e de mim,
Esperando que o que amanhã me representar,
Seja merecedor da vida que não pediu.


27-02-2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

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