sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Sentido da Vida

Busco-me no passado porque não me vejo,
Só me consigo lembrar de algo que me pareceu que fui.
Fui-me afinal, fui, agora estou a ir-me e nunca sou.
Vim-me, não me venho porque sente-se excessivemente e já foi,
Nada fica, algo será se azar houver,
Alguém, sem certeza disso, vida interrompida.
Se existem paredes para a casa onde habito são aqueles
Que hoje não vejo e a quem gosto de me dar para me acolher dentro de mim,
Tendo-os rodeando-me, fazendo-me outra vez, limitando-me e definindo-me.

Salto e mergulho nas águas geladas em tempos pouco comuns,
Sinto-me e não me sinto a mim, é só a água que me toca,
O sentir-me sinto-o mais no tédio dos dias, só com o peso sentado nos meus glúteos,
Vagueando sem me mover, por entre sinapses e não sei quê que me torna nisto.

E no fim o que sou? Eu! Sou um acumular de fracassos,
Desilusões, atrasos e oportunidades perdidas.
Fui todas as oportunidades, todas as possibilidades,
Todos os sonhos possíveis...
Agora a memória desiludida de nada no presente,
Porque afinal o tempo não melhora nada,
Não traz nada de novo, leva, levanta, mostra, desilude.

Sombra fresca de uma árvore... e eu com isso?
Desde que seja onde possa fazer gritar alguém que se abre,
Me faça ser sentido de forma a que se veja e sinta que me sentem,
Não olhos de leve que passam, não ouvidos distraídos que não compreendem,
Colos de útero tocados por dedos desesperados batendo à porta da alma,
Abrindo passagem à origem do mundo para o falo criador.
É só uma subjugação à vontade, um submeter uma alma desconhecida,
Duvidando-se da sua genuínidade, porque nunca eu, nunca nós.
O sexo é violência consentida, ocupação, penetração, aceitação da dor como prazer,
Da humilhação como coragem, morte por momentos para a vida surgir,
Ou fingir apenas que se cria.
E a existência vazia uma vez mais, só ecos na memória,
Nada nas paredes do quarto, nos vidros do carro, na casca da árvore, nas lápides do cemitério...
Silêncio suspirado e humedecido com uma desilusão por não se prolongar até ao infinito.

(E é este o meu tema: a vida. Não se encontra?
Escrever com uma sinceridade mais sincera do que a consciência permite,
Mentindo-me em segunda mão,
Desenterrando no fundo de mim o que desconhecia,
As verdades que julgava mentiras,
As palavras que não sabia e não encontrando palavras para o que encontrei.)

Só uma águia que afinal não tem nada de ave,
Um cheiro que ultrapassa o espaço e viaja na minha imaginação,
Vibrando no meu cinzento, abrindo-se oferecendo-se, sugerindo,
Fazendo-me esquecer da banalidade disto tudo,
Da falta de sentido e do sentido que isto segue...
Que saudades daquela ignorância inocente tolerada por todos,
A que os grandes achavam tanta graça e mantinham com mentiras
Que eles mesmos queriam que fossem verdades.
Morrem todos! Todos os inocentes se tornam em cadáveres que se fodem uns aos outros!
Olho uma criança e como eu nunca no presente, entristece-me que o tempo passe.
Não tarda muito para estarem todos desesperados para se sentirem de todas as maneiras,
Tal a fome de existir nos outros porque estamos condenados a duvidar da nossa existência.
E eu que me vejo por vezes e me sinto por vezes e afinal não era eu,
Um fantasma numa memória roubada ao tempo.

A vida continua e o tempo pinga em relógios como uma realidade que persiste
Em se tornar memória, quente e metálica, deixando sempre uma cicatriz.
O cérebro é uma colecção de cicatrizes, não se pode negar, basta olhar.
Mais um corte, mais um rasgão no papel a tinta, sentindo nos dedos o peso que o pensamento tem,
Sentindo no pensamento a presença que tenho,
Tentando provar-me a vida com palavras sempre tão ridículas
Como todas as que se possam dizer na vida...
E nada, isto nada, algo que como tudo acaba,
Mais um orgasmo, ou uma foda à puta que se deu só porque se pagou e tem que se chegar ao fim,
Uma vida por onde se passa porque se foi posto nela e não se tem mais para onde ir,
Ou se não conhece outra coisa e há o medo do desconhecido,
Ou porque algo é sempre melhor que nada,
Ou porque é bom sinal se há dor...


Savonlinna

24.07.2009

João Bosco da Silva

1 comentário:

s0ninha d0s lim0es disse...

"Escrever com uma sinceridade mais sincera do que a consciência permite,
Mentindo-me em segunda mão,
Desenterrando no fundo de mim o que desconhecia,
As verdades que julgava mentiras,
As palavras que não sabia e não encontrando palavras para o que encontrei."


Lindo mesmo.
N tens outro remedio senao seres poeta, meu caro :)

bjinho*